A terra, a migração e o desenraizamento sobem ao palco

A Gravidade de Um Pássaro, de Joana Pupo e Pepa Macua, estreia-se esta quinta-feira, no Teatro da Cerca de São Bernardo, em Coimbra.

antonio-ramos-rosa,teatro,culturaipsilon,coimbra,migracao,brasil,
Fotogaleria
A Gravidade de Um Pássaro João Duarte
antonio-ramos-rosa,teatro,culturaipsilon,coimbra,migracao,brasil,
Fotogaleria
A Gravidade de Um Pássaro João Duarte

Há uma certa dificuldade em encarar a solidão de Madrid quando os dias no Brasil tinham sabor a pão de queijo e eram povoados por uma família-multidão de 70 primos. Ou em sentir o embrutecimento dos dedos pelo labor no campo, habituados que estavam à agilidade exigida pela flauta bansori.

A Gravidade de Um Pássaro, peça co-criada e interpretada por Joana Pupo e Pepa Macua, que se estreia esta quinta-feira no Teatro da Cerca de São Bernardo, em Coimbra, conta histórias de migrações, de quem procurou outro lugar por opção ou por necessidade e fala sobre o sentimento de perda de quem deixa as coisas para trás.

O ponto de partida para este encontro entre as duas criadoras é o corpo e a “capacidade de procurar enraizamento”, explica Joana Pupo. “Cada uma de nós estava numa investigação sobre a experiência de ser estrangeiro”, acrescenta Pepa Macua, argentina a viver em Lisboa. Começaram por referências poéticas – o poema A construção do Corpo, de António Ramos Rosa, por exemplo, sobreviveu ao processo de criação e chegou ao palco – mas logo abriram o campo de pesquisa a outras possibilidades.

“Como é que nos ligamos à terra? O que acontece quando partimos?” foram duas das questões de arranque deste projecto que teve início em 2020 e, curiosamente, ganhou um outro fôlego com a pandemia. “Parámos e tivemos tempo de compor este projecto”, conta Joana Pupo, que nota que, entretanto, “surgiu uma coisa que não havia antes [da pandemia]: apoios à pesquisa”. “É muito difícil criar coisas novas e uma pessoa transformar-se se não tiver esse tempo. Não somos fábricas de criar peças”, diz.

Ligada ao dinamarquês Odin Teatret ​, Ana Woolf, que entra neste processo de criação como dramaturga e consultora, aconselhou Joana e Pepa a “saírem da sua história pessoal e a irem entrevistar pessoas”. Em A Gravidade de Um Pássaro, explica, o seu papel foi “tecer” as histórias, “esta mistura de vozes”, como quem trabalha um tapete num tear. Qualquer pessoa que abandone as suas raízes é confrontada com “a perda da língua materna, o que é terrível”.

A narrativa é uma polifonia construída pelos percursos de Anouar Ben Janaf, Candy Toma Paulus, Caroline Bergeron, Jaime Mears, Jeff Childs, João David Batista, Laura Afonso, Manuela Tavares, Mariema, Pacas, Sohel Rahman e Sunil Pariyar, que deram os seus testemunhos no decorrer de um processo criativo afinado nas últimas duas semanas, em residência artística, no Teatro da Cerca de São Bernardo.

O título desta peça que sobe ao palco num cenário minimalista, onde a variação de temperatura e tom é cumprida pela luz e som, é também de raiz indefinida. “Tinha isso [A Gravidade de Um Pássaro] escrito no meu livro de notas quando cheguei do Japão. Posso ter roubado a alguém”, avisa Joana Pupo. A dada altura do processo “era muito óbvio” que teria que ser esse o título. “Mas é possível que, um dia destes, abramos um livro de histórias e esteja lá esta expressão escrita”. 

A Gravidade de Um Pássaro está em exibição em Coimbra, com sessões diárias, até ao dia 3 de Outubro. 

Sugerir correcção
Comentar