Funcionários da OMS envolvidos em denúncias de violações na RD Congo

Comissão independente investigou denúncias de 51 mulheres que acusam trabalhadores da OMS, do Governo da RD Congo e de organizações internacionais de as terem violado e chantageado durante o surto de Ébola, entre 2018 e 2020.

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O director-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, prometeu "reformar as estruturas e a cultura" da organização REUTERS/Denis Balibouse

Oito dezenas de funcionários do Governo da República Democrática do Congo (RD Congo) e de organizações humanitárias internacionais, incluindo 21 ao serviço da Organização Mundial de Saúde (OMS), surgem num relatório independente como suspeitos de terem violado e explorado sexualmente dezenas de mulheres entre 2018 e 2020, durante o surto de Ébola que matou mais de 2000 pessoas no país africano.

As primeiras denúncias foram feitas por 51 mulheres numa investigação da Fundação Thomson Reuters e da agência de notícias independente The New Humanitarian, publicada em Setembro de 2020.

Na altura, foram implicados nos abusos dois grandes grupos de funcionários — um da OMS e outro do Ministério da Saúde da RD Congo. Em menor número, foram denunciados abusos cometidos por homens que se apresentaram como sendo funcionários da Unicef, Oxfam, Médicos Sem Fronteiras, Organização Internacional para as Migrações, World Vision e Alima (Aliança para a Acção Médica Internacional).

Entre os suspeitos há cidadãos da Bélgica, Canadá, França, RD Congo, República da Guiné, Burkina Faso e Costa do Marfim.

“A equipa de investigação determinou que as presumíveis vítimas foram forçadas a ter relações sexuais em troca de trabalho e para manterem os seus postos de trabalho”, disse Malick Coulibaly, um dos membros da comissão independente que investigou as denúncias.

Numa reacção à publicação do relatório final, na terça-feira, o director-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, disse que ficou “angustiado” com a descrição dos casos. E disse que vai enviar as denúncias para as autoridades da RD Congo e dos países dos cidadãos estrangeiros envolvidos no escândalo.

“O que vos aconteceu não deve acontecer a ninguém”, disse Ghebreyesus, dirigindo-se às vítimas numa conferência de imprensa. “A minha prioridade é garantir que os responsáveis não escapem e que sejam responsabilizados.” 

Segundo a OMS, os suspeitos foram proibidos de voltar a trabalhar com a organização e os contratos de quatro funcionários foram rescindidos.

Ao mesmo tempo, o líder da OMS prometeu dar mais passos para “reformar as estruturas e a cultura” da organização, com o objectivo de impedir a repetição de casos como o da RD Congo. 

Apesar das promessas de reformas na ONU e em várias organizações não-governamentais de ajuda humanitária, os escândalos de abusos sexuais continuam a manchar os esforços internacionais em situações de emergência, depois das denúncias de violações no Haiti e na República Centro-Africana por soldados das forças de manutenção de paz.

Trabalho e promoções

Num dos casos na RD Congo, uma adolescente de 14 anos disse que foi abordada por um motorista da OMS quando vendia cartões de telemóvel à beira de uma estrada em Mangina — uma pequena cidade, perto da fronteira com o Uganda, e o local onde surgiram os primeiros casos de Ébola na RD Congo, em 2018.

Segundo o relato de “Joalianne”, o motorista ofereceu-lhe boleia para casa, mas acabou por levá-la para um hotel, onde a violou. A adolescente engravidou e deu à luz uma criança como resultado dessa violação.

Entre as denúncias há pelo menos dois casos de mulheres que engravidaram. Na maioria das vezes, segundo as vítimas, os violadores não usaram preservativo — numa altura em que havia alertas contra o contacto físico por causa da transmissão do Ébola.

Na maioria dos casos, as mulheres foram chantageadas e violadas várias vezes ao longo de meses. Uma das vítimas disse que a prática era tão comum que se tornou na única forma de arranjar trabalho na região.

Uma empregada de limpeza de 25 anos disse que foi atraída para a casa de um médico da OMS com a promessa de que seria promovida. À chegada, o médico levou-a para o quarto.

“Ele disse-me que havia uma condição para que eu pudesse ser promovida, e que a condição era termos relações sexuais”, disse a vítima. Depois de se ter recusado e de ter fugido, a mulher disse que o seu contrato não foi renovado no fim desse mês.

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