O “invejómetro”

A forma como o Governo tem tratado o Plano de Recuperação e Resiliência e as medidas que, entretanto, tomou são preocupantes. Anúncio atrás de anúncio, os recursos disponíveis no âmbito do PRR têm sido tratados como uma “oferenda”. O frenesim do “banquete” começou!

Quando, em 2003, num debate parlamentar com Francisco Louçã, lhe disse que as políticas do Bloco de Esquerda se alimentavam do “invejómetro”, estava longe de pensar que, decorridos vinte anos, este se tornaria o sentimento dominante na sociedade Portuguesa e o elemento determinante da ação política. 

O “invejómetro”, que consiste em exacerbar a inveja para retirar dividendos políticos fazendo crer a alguns que a responsabilidade pela sua situação é culpa dos outros, já não é só o alimento do Bloco de Esquerda, é também a arma preferida do Chega e contamina a ação dos partidos de poder.

Ao interiorizarmos uma cultura da “inveja” que atribui sempre a terceiros a responsabilidade pelo nosso “insucesso”, estamo-nos a deixar capturar por uma espécie de fundamentalismo da mesquinhez, que cerceia a nossa capacidade de fazer, que penaliza a nossa criatividade, que amordaça a nossa ambição. 

Enquanto povo ou enquanto sociedade, não podemos ter medo do sonho, não podemos ter vergonha da ambição, não podemos penalizar o “sucesso”, não podemos amordaçar a criatividade. 

A escolha não é sermos cada vez mais “iguais “. A escolha é darmos uma oportunidade a cada um de nós. 

A escolha tem que ser sempre a valorização de cada um de nós, das nossas capacidades, da nossa criatividade. Temos que saber dar a cada um de nós a oportunidade de se superar, de se entregar a um objetivo, de concretizar um sonho, de viver de forma intensa a nossa escolha. 

Se o espírito empreendedor, se a capacidade de fazer forem dominantes, seremos uma sociedade mais eficiente, mais solidária e mais coesa. 

A melhor resposta ao “invejómetro” está no poema de António Gedeão “sempre que o homem sonha o mundo pula e avança”. 

Se cada um de nós se entregar ao seu sonho vamos ser capazes, como um todo, de criar uma sociedade mais rica, mais equilibrada, mais feliz e que, sobretudo, estará em condições de ser mais solidária e coesa. 

Ninguém tem dúvidas quanto a termos que garantir um serviço nacional de saúde universal, todos sabemos da necessidade de um serviço de educação acessível a todos, da necessidade de um sistema de pensões eficiente e, ainda que possa ser discutível, todos desejamos garantir que os nossos concidadãos menos preparados tenham um nível mínimo de rendimento que lhes permita viver de forma condigna. Isto já para não falar em garantir as funções de soberania. 

O melhor caminho para respondermos como um todo, para respondermos como sociedade, não é cercear a capacidade de cada um, é antes apostar e acreditar que cada um de nós é capaz de fazer mais pela sua vida do que os outros por nós.

O “invejómetro” alimenta-se da pobreza, da infelicidade, da falta de confiança, da incapacidade de sonhar e conduz-nos, inevitavelmente e a prazo, ao empobrecimento, à incompreensão, à insatisfação, ao ruído na rua, à manipulação, ao populismo exacerbado. 

Temos que ser capazes de dar a volta; temos que acreditar que cada um de nós pode fazer a diferença na sua vida e que ao fazê-lo está a contribuir para responder de forma mais eficiente às nossas responsabilidades sociais. 

Vêm estas reflexões a propósito da afetação dos recursos financeiros do Plano de Recuperação e Resiliência, vulgo PRR.

A forma como o Governo tem tratado o assunto e as medidas que, entretanto, tomou são preocupantes.

Anúncio atrás de anúncio, os recursos disponíveis no âmbito do PRR têm sido tratados como uma “oferenda”. 

O frenesim do “banquete” começou!

Os comensais sentados à mesa são os mesmos de sempre: o Estado, nas suas múltiplas vestes, mas sempre o Estado, e as elites que cirandam à sua volta.

O empreendedorismo, a criatividade, a iniciativa individual, o mérito, não têm qualquer chance.

O método é sempre o mesmo, distribuir pelos mais próximos e gastar em projetos faraónicos que vão do betão à ferrovia. Na qualificação, na ciência, na inovação, só podem singrar os projetos nascidos e protegidos pelo Estado.

À luz do que aí vem vão florescer (novamente) algumas empresas de obras públicas. Os interesses instalados vão ter mais um momento de fartura. A sociedade Portuguesa vai viver um momento de aparente abundância.

Depois, quando tudo acabar, vamos voltar ao mesmo, à penúria, à maledicência, à revolta, aos ajustes de contas, aos processos judiciais infindáveis e, com quase toda a certeza, vamos ser a lanterna vermelha da UE.

Tem sido sempre assim, desde D. João V e o ouro do Brasil. Mas não tem que ser assim.

Não podemos deixar que o erro se repita.

Neste caso particular, o Senhor Presidente da República tem uma responsabilidade que vai para além dele. Não lhe basta passar uma mensagem sibilina de desconforto, num qualquer jornal. Não lhe basta dizer que os Portugueses são capazes, são os melhores. Tem que mostrar que acredita na capacidade, no engenho, no mérito dos Portugueses.

O Sr. Presidente da República não pode querer ser apenas o Presidente Carmona, o “amado” deste regime. Tem que ser a voz da Consciência Nacional, tem que ser capaz de enfrentar esse Estado voraz e a sua clientela.

Aos outros poderes do Estado, nomeadamente ao Governo, não vale a pena pedir nada. Percebe-se que estão completamente comprometidos com o Estado voraz. O seu projeto de poder esgota-se no presente e alimenta-se no “derramar do leite” pela sua clientela.

Não podemos perder esta oportunidade. Sobre nós recai a responsabilidade e a sabedoria de ultrapassar o fosso que nos separa dos Países mais ricos da União Europeia.

No fim desse projeto temos que ser “os primeiros entre iguais”.

Isso só será possível se acreditarmos em nós, se as instituições cumprirem as suas obrigações e formos capazes de erradicar o “ invejómetro”. 

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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