A formação de médicos de família no Reino Unido é menos exigente do que noutras especialidades?

Manuel Heitor disse que, no Reino Unido, formação de médicos de família era menos complexa e mais rápida do que a de profissionais de outras especialidades.

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Nelson Garrido

O ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior afirmou em entrevista ao Diário de Notícias que no Reino Unido o nível de formação de medicina familiar é menos exigente do que noutras especialidades. As declarações de Manuel Heitor provocaram várias reacções em Portugal e também no estrangeiro. Este domingo, foi a vez de a British Medical Association (Associação Médica Britânica, em português — organismo semelhante à Ordem dos Médicos em Portugal) discordar da opinião veiculada pelo ministro. A associação reagiu no site oficial referindo que o exemplo “é completamente errado”.

A frase 

“Se for ao Reino Unido, o sistema está diversificado, sobretudo aquilo que é a medicina familiar, que tem um nível de formação menos exigente do que a formação de médicos especialistas.”

O contexto

Na entrevista ao Diário de Notícias, publicada na quinta-feira, Manuel Heitor defendeu que para formar um médico de família experiente em Portugal não seria necessário ter o “mesmo nível” e “duração de formação” do que “um especialista em oncologia ou um especialista em doenças mentais”. Deu então o exemplo do Reino Unido, onde o sistema é diversificado, com a medicina familiar a ter um nível de formação menos exigente do que a formação de médicos especialistas.

Estas declarações não agradaram à Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) que, no mesmo dia, considerou as declarações “profundamente desrespeitosas”, chegando mesmo a pedir uma audição à ministra da Saúde sobre o tema.

Na entrevista, foi ainda abordada a intenção do Governo de aumentar a oferta de formação de médicos, com o ministro a manifestar a expectativa de ter novos cursos de medicina nas universidades de Aveiro, Vila Real e Évora nos próximos dois anos. 

Os factos 

De acordo com a British Medical Association, os médicos de família, assim como outras especialidades, têm também de passar por várias etapas até exercerem medicina, numa formação que se prolonga durante pelo menos cinco anos sem ter em conta os anos de formação teórica. “É completamente errado descrever a formação de medicina familiar no Reino Unido como menos exigente do que a das outras especialidades médicas, [opinião] que prejudica gravemente os nossos médicos de família altamente formados em funções por todo o país”, escreveu aquela associação britânica, numa nota assinada por Samira Anane, responsável pela área de medicina familiar.

Ouvidos pelo PÚBLICO, Nuno Jacinto, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), e Paulo Santos, presidente do Colégio de Medicina Geral e Familiar da Ordem dos Médicos, explicam que a formação de um médico especializado em Medicina Geral e Familiar tem, no Reino Unido, a mesma duração que tem em Portugal.

No caso do Reino Unido, a formação pós-graduada (depois de o médico ter completado a formação universitária) é dividida em dois anos de formação geral e três anos de formação específica (vulgarmente chamada de especialidade), totalizando cinco anos de formação médica. Em Portugal, essa formação é dividida de outra forma: um ano de formação geral (antigamente intitulado como ano comum) e quatro anos de formação específica. 

“Em ambos os casos são cinco anos. Obviamente [o exemplo do ministro Manuel Heitor] não corresponde à realidade do que se passa no Reino Unido. Só podemos lamentar que tenham sido proferidas estas declarações”, refere Nuno Jacinto. O presidente da APMGF vai ainda mais longe e explica: “A área específica pode ter quatro, cinco ou seis anos, por exemplo, e varia consoante a especialidade. Não tem tanto a ver com a complexidade, mas sim com número de doentes que, por exemplo, um cirurgião tem de ver, o número de patologias que um médico de família tem de conhecer e pelos estágios que tem de passar. Esses problemas são discutidos com as respectivas ordens, portanto não há aqui diferenças significativas.”

Também Paulo Santos concorda que “o tempo de formação depende de cada especialidade e é mais longo nas especialidades cirúrgicas”. “Em termos de formação, a inglesa não é muito diferente da nossa e mesmo em termos de tarefas e objectivos de formação, assim como de estruturação desses objectivos e da forma como se vai fazendo o treino ao longo do tempo, também não há muitas diferenças em relação à nossa. Tem algumas nuances, naturalmente, devido àquilo que são as necessidades reais da nossa população que é diferente da inglesa.”

Ambos os médicos lembram que Manuel Heitor tutela a pasta da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, que diz respeito à formação pré-graduada dos médicos. Formação essa que é igual para todos os futuros médicos, independentemente da especialidade que possam vir a escolher na formação pós-graduada, área de formação que é tutelada pelo Ministério da Saúde em articulação com a Ordem dos Médicos. 

“Não é decididamente uma frase verdadeira. Repare-se que o senhor ministro se dedica à área das faculdades e a formação pós-graduada não é da tutela dele. Um médico diria que o senhor ministro comentou sem a competência necessária para o fazer”, remata o presidente do Colégio de Medicina Geral e Familiar da Ordem dos Médicos.

Em resumo 

É falso que a formação de um médico especialista em Medicina Geral e Familiar seja menos exigente no Reino Unido comparativamente com outras especialidades. 

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