Cortem na gordura: a favor da escola e da literacia

Invista-se em dar efetiva autonomia e meios às escolas e liberdade de escolha. Assim a prazo teremos cidadãos com informação e capacitados para escolher no futuro, o que inclui poderem escolher escolas com melhores projetos nutricionais.

Evidente que uma melhor e mais saudável alimentação é preferível, sendo sempre inevitável acabar-se num debate sobre “o que é melhor”. Um pão com chouriço ou presunto dará certamente muita discórdia, mas também uma sandes de tofu. A discussão sobre as recentes “normas a ter em conta na elaboração das ementas e na venda de géneros alimentícios” nas escolas está para mim descentrada. Está com o foco errado em vários ângulos: estamos a assistir a mais um episódio de políticas de virtue signaling, de facilitismo e de centralismo. E se é para falar em cortar gorduras, poder-se-ia começar por falar nas gorduras do Estado, permitindo assim que houvesse uma alocação mais acertada e mais dinheiro para o que mais importa. Incluindo boas escolas, melhor ensino e… boas refeições.

Um dos pontos de perplexidade é a normalização da centralização das decisões. Uma insistência que contraria a tão proclamada autonomia das escolas. Onde está diferenciação? Onde está a capacitação? Não deve a melhor alimentação ser aconselhada nutricionalmente e devidamente adequada ao contexto? Não pode uma escola escolher a sua alimentação dentro do seu projeto educativo? Com mais produtos biológicos, com uma dieta com maior componente vegetariana ou não. Deve estar restringida a uma check list central? E se uma escola de uma zona rural quiser ter uns pastéis de grão ou feijão regionais e cultivados “na terra”, não pode?

E na habitual discussão pública eis a indignação, onde se chega a inferir que achar que esta não é a melhor solução, é ser contra uma boa alimentação nas escolas. Podemos ambicionar a mesma indignação com a falta de condições e pessoal em muitas escolas? Podemos ambicionar que alunos sem condições de aprendizagem condigna sejam alvo da mesma vocalidade? Não vi essa indignação durante a pandemia, continuo a não ver sobre a recuperação das aprendizagens, não vejo pela busca incessante e incansável de melhor educação. E onde estavam os defensores destas restrições alimentares enquanto o papel do desporto no percurso escolar foi sendo relativizado? Podemos ambicionar mais exigência, sem fuga das avaliações? Podemos falar nas situações comportamentais e sobre a importância da sociabilização e da empatia, aproveitando por exemplo condicionantes como as máscaras, que escondem as expressões, ou o nível de utilização dos telemóveis?  

Sim, a obesidade e a diabetes infantil é um problema. Aliás, não é apenas infantil, é mesmo na população em geral. Apesar da crescente legislação restritiva sobre publicidade, regulação diversa e até impostos, por exemplo sobre os produtos açucarados, a problemática não reduz. Há que fazer mais do que proibir e taxar. Se não se educar a sério, estas restrições farão alguns políticos pontualmente contentes, mas terão o efeito daqueles adolescentes que privados de algo se excedem em adultos. Ou simplesmente transferirão a sua forma de consumo. Diziam-me a pediatra, a propósito dos meus filhos gostarem de peixe e fruta: “se os pais não gostam, é natural que não comam”. Lembro-me muitas vezes disso em conversas sobre utilização de telemóveis, leitura de livros ou gosto pela matemática.

Não digo com isso que não haja um papel para a escola, sobretudo para famílias com menor acesso a informação ou com menos foco no tema. Há, sim. A escola tem de ser, por excelência, um ambiente de literacia. É o conhecimento e a decisão de escolha que fará com que todos os dias para o resto das suas vidas decidam o que querem ou não querem comer e beber. O restante pode ser paliativo e reflete o que temos de governação, numa permanente e fácil política de maquilhagem.

Mais uma vez um bom exemplo onde se cruzam Educação e Saúde e em como devíamos ambicionar em ter uma população, para além de elevada literacia, com bons indicadores ao nível de saúde, de prestação e universalização na saúde, e indicadores de qualidade de vida (algo que devia sempre vir em conjunto com a esperança média de vida). Invista-se em dar efetiva autonomia e meios às escolas e liberdade de escolha. (In)formemos. Assim a prazo teremos cidadãos com informação e capacitados para escolher no futuro, o que inclui poderem escolher escolas com melhores projetos nutricionais.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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