Não imaginas a tua rua sem carros? Jan Kamensky dá uma ajuda

Considera-se um “utopista visual” e diz que a sua função é pôr os outros a pensar, a imaginar futuros possíveis. “As pessoas não estão conscientes de como os carros e o desenho das ruas afecta o nosso mundo.”

Berlim

É um cruzamento de Paris num dia de chuva e tudo parece normal. Carros, motas e carrinhas de entregas esperam que a fila avance, os peões levantam dinheiro, saem de cafés, espreitam a fruta na banca ou simplesmente caminham. Mas eis que uma Vespa levanta voo lá ao fundo e desaparece por entre as nuvens negras. Logo a seguir é um carro, depois outro e mais outro ainda, até que o ar se enxameia de veículos a caminho sabe-se lá de onde. E não voam só eles: os semáforos, as placas, as passadeiras, o asfalto – tudo desaparece perante os nossos olhos em minuto e meio.

Quando nos falaram em carros voadores não era bem nisto que estávamos a pensar. Também não era isto que Jan Kamensky tinha na cabeça até há pouco mais de um ano, mas a pandemia chegou e alterou a sua perspectiva sobre o mundo. “As ruas vazias durante o primeiro confinamento inspiraram-me: ‘Ok, agora há tanto espaço para a criação. Quero ver as nossas cidades sem carros’”, relata.

O designer gráfico alemão conversou com o PÚBLICO a partir da Hamburgo natal, que foi a primeira cidade objecto das suas experiências visuais, num dia particularmente soalheiro. É assim que a vemos nos pequenos vídeos que lançou no início do seu projecto, que entretanto ganhou uma hashtag – #FlyingCarMovement – e interessados em vários pontos do globo.

Voltando a Paris. No Boulevard Utópico, como Jan Kamensky lhe chama, a estrada é substituída por uma grande zona pedonal, crescem árvores e arbustos, nascem bancos, bebedouros e ciclovias. Vê-se mais gente na rua e por fim é a própria Torre Eiffel que vem espreitar, acabando por se mudar definitivamente para ali.

“O meu papel é levar as pessoas, através de imagens e animações, a uma nova consciência sobre a nossa situação”, diz Jan. Sem qualquer formação ou experiência em arquitectura ou urbanismo, diz-se um “tradutor visual” que pega em conceitos teóricos e os transforma em imagens. Mas como essas imagens parecem hoje coisas impossíveis, também se define como “utopista visual”. “As pessoas vêem as possibilidades, vêem realidades diferentes das que conhecem. E quando voltam da utopia começam a reflectir, começam a estar mais atentas, mais conscientes. Este é o meu objectivo principal.”

Tudo começou com um percurso pessoal. No ano passado, Jan Kamensky foi uma das muitas pessoas que se refugiaram em casa para combater a propagação do novo coronavírus. Aproveitou esse tempo para pôr alguma leitura em dia e procurar respostas que lhe escapavam. Chegou à conclusão de que queria ser parte de uma mudança, queria fazer qualquer coisa, mas não sabia o quê.

Uma utopia em Roterdão, em formato postal, ainda com os carros à vista Jan Kamensky
Uma utopia em Hamburgo, em formato postal, ainda com os carros à vista Jan Kamensky
Uma utopia em Paris, em formato postal, ainda com os carros à vista Jan Kamensky
Fotogaleria
Uma utopia em Roterdão, em formato postal, ainda com os carros à vista Jan Kamensky

“Comecei a olhar à volta. Quando fechava os olhos e meditava, quando estava na rua, tornou-se cada vez mais claro que teria de ser algo sobre o ambiente que nos rodeia diariamente”, relata o designer. Num dado momento chegaram-lhe às mãos algumas fotografias de Hamburgo deserta, iguais às que se tiraram em praticamente todas as cidades do mundo ocidental. E aí soube o que faria. “Encontrei a minha folha em branco.”

As utopias visuais de Jan Kamensky atiram os automóveis ao ar e substituem a estrada por caminhos para peões e ciclistas, mas não existe uma fórmula universal. Desde que começou o projecto já trabalhou com designers da Letónia, do Japão, dos Países Baixos e do Uruguai. Cada um terá a sua utopia, cada espectador também. Não passam de experiências em computador. O resto já não é (só) com ele. “O desenho utópico pode mostrar-nos uma nova radicalidade. Estamos agora numa situação mais precária, temos de mudar de uma forma radical. Temos de fazer tudo ao nosso alcance para conseguirmos mudar as coisas, o que significa que temos de ser consequentes e rápidos”, afirma.

Refere-se à situação alarmante a que chegou o planeta, atestada ainda esta semana pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas. “As pessoas saem à rua e não estão conscientes da nossa situação, não pensam na forma como os carros e o desenho das nossas ruas afecta o nosso mundo. Estamos tão habituados, é tão normal. Para mim, agora é chocante, às vezes nem consigo acreditar.”

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