A odisseia do pequeno saltador que se transformou num colosso humano

Na final da próxima madrugada, o norte-americano, recordista do mundo, é o claro favorito ao ouro olímpico no lançamento do peso. Trata-se de um atleta grande, forte e imponente, mas que, em tempos, era apenas um franzino triplista.

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Crouser em acção em Tóquio USA TODAY USPW/Reuters

São imponentes os atletas do lançamento do peso. Grandes, fortes, maciços e com um corpo que teria excesso de peso para a maioria das modalidades, mas que é uma garantia de força e energia em lançadores de craveira mundial. 

É nesse grupo de montanhas em forma de homem (onde está o português Francisco Belo) que há uma bem acima das demais. O norte-americano Ryan Crouser (2,01m e 145kg) vai entrar para a final do peso, nesta madrugada, com a melhor marca de qualificação e liderança do ranking mundial, poucas semanas depois de ter batido o recorde do mundo, lançando a pequena bola de 7,5kg a 23,37 metros – o anterior registo (23,12 metros), de Randy Barnes, já durava desde 1990. É, portanto, como melhor lançador de sempre que Crouser está em Tóquio a tentar tornar-se bicampeão olímpico, depois do ouro no Rio de Janeiro, em 2016. 

Vindo de uma família de lançadores – o pai, no disco, e o tio e primo, no dardo, foram olímpicos –, Crouser é uma figura com várias particularidades. Desde logo, nunca abdicou dos estudos em favor da alta competição. Fê-los, até, numa área que muitos considerariam inconciliável, pela dedicação necessária.

Crouser é formado em economia e mestre em finanças e concluiu os dois anos de estudos em apenas um – teve de o fazer, sob pena de prolongar demasiado a conciliação de estudos e treinos. “Foi duro passar pelo ano passado. Estava cinco a seis horas nas aulas todos os dias, estudava mais duas ou três e depois ainda tinha de ir treinar. Tornei-me muito bom a comer o meu pequeno-almoço e almoço a andar e entre aulas”, explicou, em 2016, em declarações à IAAF. 

E por falar em comida: este é um tema muito caro a Ryan Crouser, que começou a carreira em sprints e saltos. Chegou mesmo a ter títulos estatais de triplo salto, antes de se especializar nos lançamentos. Como é que a forma física de atletas do triplo salto e do lançamento pode ser a mesma? Não pode. Por isso, veio a dieta. 

Ryan Crouser teve, no fundo, de comer como nunca tinha comido. Tinha um físico relativamente franzino, mas teve de fazer uma dieta para engordar, na qual comia mais de cinco mil calorias por dia – sensivelmente o dobro do recomendado para um homem comum. Cresceu 50 quilos. 

“Ao domingo, quando algumas pessoas têm o ‘dia da asneira’, eu celebro ao saltar uma refeição (…) Eu até já nem gosto de comida. Cada uma das minhas refeições, e eu como de duas em duas horas, é metade do que uma pessoa normal come durante um dia inteiro. E faço isso cinco/seis vezes por dia”, explicou ao New York Times. 

E detalhou: “Se alguma vez tiver fome durante o dia é porque não estou a fazer bem o meu trabalho [na dieta]. Às vezes, antes de uma refeição, fico a olhar e penso: ‘Isto outra vez?!’. Mas tenho de estar sempre a comer”. 

Na próxima madrugada, a dieta e a aversão à comida vão ganhar um significado: há final de lançamento do peso para esta montanha em forma de homem. No final, Crouser dirá que valeu a pena.

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