Luca: amar, a única escolha possível

Luca é um hino à amizade enquanto valor do amor de amiga/o. Alberto e Luca são aqueles melhores amigos que todas/os gostamos e gostaríamos de ter, pois estabelecem um equilíbrio entre a aventura e a responsabilidade, a irreverência e o vínculo com o lugar seguro em que sabemos que nos podemos apoiar quando mais precisamos.

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Quantas não são as vezes em que desesperamos por um mundo melhor ao encetarmos inúmeras lutas por causas nobres? Causas sociais pelas quais reivindicamos direitos a sermos tratadas/os com dignidade. Todavia, há batalhas em que conseguimos sair vitoriosas/os a partir da bondade, do carinho, do abraço companheiro, do amor. Sem grandes traumas ou arrepios, mas apenas permitindo que o coração fale do chamado “lugar certo”. É com esta perspectiva que a Disney e a Pixar nos apresentam o bondoso, mágico, humano filme Luca.

Não sei como hei-de começar a análise desta longa-metragem porque ainda me encontro com um cintilar nos olhos que despertou o meu coração destes dias de desalento pandémico que temos vivido. A minha intenção não é oferecer um spoiler gratuito ao resumir apenas o conteúdo. Por isso, abordarei esta obra cinematográfica a partir daquilo que, honestamente, mais me interessa: os seus contributos para a construção de uma realidade menos sufocante e mais inclusiva.

Creio que o melhor será começar pelo mais óbvio: o filme é um hino à amizade enquanto valor do amor de amiga/o. Alberto e Luca são aqueles melhores amigos que todas/os gostamos e gostaríamos de ter, pois estabelecem um equilíbrio entre a aventura e a responsabilidade, a irreverência e o vínculo com o lugar seguro em que sabemos que nos podemos apoiar quando mais precisamos. A certo momento da visualização, lembrei-me de outra animação que também adorei – Coco – e da forma como apreciei ambos os filmes por razões distintas. Em Coco (alerta spoiler) assistimos à traição de um amigo para com outro em que a desmedida ambição da fama e do reconhecimento redunda num assassinato sem escrúpulos. O protagonista, Miguel, ao descobrir este acontecimento, tudo faz para repor a verdade e unir-se à família. Por outro lado, com Luca, torna-se impossível ficar indiferente a uma afeição e a uma estima que crescem a cada cena e se tornam mais complexas e unidas.

Amar é uma maneira de incluir. Toda a gente que é amada verdadeiramente sente que nesse bem-querer há uma ligação tão forte quanto os elementos da natureza. Contudo, agir para construir uma sociedade mais valorizadora de cada um dos seus membros não é um empreendimento sem espinhos nem contendas. Giulia ensina esta ideia a Luca e Alberto quando identifica num grupo de rivais um “império maléfico de injustiça” que necessita cair. Este império é uma metáfora para todas/os as/os opositoras/es que, recorrendo à maldade mais ou menos legal, inferiorizam, segregam e excluem como forma de vanglória e de arrecadação de poder. Portanto, o que esta animação nos mostra também é que existe uma esperança de encontrarmos, neste nosso caminho da vida, pessoas boas com energia para a diversão e a defesa do grupo. Com dedicação pelo outro.

Não deixo, finalmente, de constatar uma visão política nesta obra. Não a consigo ignorar dado que a política faz parte de todas as mundivisões e posições que assumimos. Luca foi lançado em meados de Junho, em pleno Mês do Orgulho LGBTI+, ao mesmo tempo que toda a relação entre Alberto e Luca nos deixa um gosto tremendo por esse orgulho e um eventual romance que no futuro pudessem querer ter. Mas, mais do que olhar para esta dialéctica de amizade-paixão, gostaria de me focar na concepção do filme, visto que convoca dimensões relativas à diferença e ao seu papel social. É difícil não perspectivar aqui um certo olhar romântico no que concerne à aceitação da diferença.

Como a doce avó de Luca afirma sobre o neto, “algumas pessoas nunca o vão aceitar, mas outras vão, e ele parece saber encontrar as pessoas certas”. Em contrapartida, encontro no filme uma visão de identificação da diferença em toda a parte, ou seja, a ideia de que todas e todos somos diferença. A viagem que Luca e Alberto pretendem fazer pelo mundo, explorando as suas diferentes maravilhas, ou a oportunidade que Luca ganha de ir para uma escola com Giulia são sinónimos de uma necessidade de as diferenças comunicarem, edificarem pontes, se auto-reconhecerem e, finalmente, se incluírem.

Acredito não estar a fazer jus ao filme e aos sentimentos que em mim emergiram aquando da contemplação de Luca. Ainda assim, fico contente por serem capazes o amor de envolver tanto de política e a política de envolver tanto de amor. Sem dúvida que o natural e o social, unidos, têm tudo de humano.

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