Após acusações de machismo, Ucrânia recua na imposição de saltos altos às militares

As fotografias de mulheres militares a marchar de saltos altos desencadearam uma onda de críticas nas redes sociais e no Parlamento ucraniano. Agora, o Governo recua e reconhece que o calçado possa ser “inconveniente”.

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Ministério da Defesa ucraniano/Facebook

O Ministério da Defesa ucraniano quis que as mulheres militares marchassem no Dia da Independência da Ucrânia num uniforme “bonito e forte”: boina, roupa com padrão camuflado e sapatos de salto alto, em substituição das botas usadas pelos homens. “É ligeiramente mais difícil do que marchar em botas de combate, mas estamos a tentar”, disse a cadete Ivanna Medvid, citada pela ArmiaInform, agência oficial do Ministério da Defesa ucraniano.

Para o Governo, tudo estava bem, até as fotografias dos treinos para a parada militar serem publicadas nas redes sociais do Ministério da Defesa, a 1 de Julho. Uma onda de críticas online rapidamente se tornou notícia em jornais internacionais e chegou ao Parlamento ucraniano, pressionando o ministério a alterar os planos.

“É difícil imaginar uma ideia mais idiota e prejudicial. Ao marchar no calor das nossas estradas, as militares arriscam ficar magoadas”, escreveu no Facebook Inna Sovsun, deputada do partido da oposição Golos. “Porquê? Para tornar reais os estereótipos de alguém que pensa que o único papel de uma mulher é tornar-se numa boneca linda?”

O antigo ministro da Defesa, Andriy Zagorodnyuk, também na sua página de Facebook, afirmou que se tratava de “um passo em direcção à Coreia da Norte”.

No Parlamento ucraniano, deputadas da oposição convidaram Andriy Taran, actual ministro da Defesa, a calçar, também, sapatos de salto alto na parada militar de 24 de Agosto, onde serão assinalados 30 anos de independência ucraniana, após a separação da União Soviética.

Maria Berlinska, activista pela igualdade de género nas estruturas das forças armadas, afirmou que a parada militar deveria servir para demonstrar a força do exército. “As mulheres, como os homens, lutam em botas de combate”, escreveu no Facebook. “Durante a guerra, muitas das nossas mulheres morreram no terreno num uniforme militar.” Desde 2014, já morreram mais de 13 mil pessoas na guerra no leste da Ucrânia, entre nacionalistas ucranianos e grupos separatistas pró-russos.

Em oposição às críticas recebidas, o Ministério da Defesa ucraniano insistiu: os sapatos de salto alto já eram parte do uniforme oficial utilizado na parada militar. Partilhou, ainda, fotografias para provar que, noutros países, as mulheres também marchavam de saltos altos.

No dia seguinte, a 3 de Julho, e após nova avalanche de insultos e comentários de indignação, o ministro Andriy Taran visitou as militares que participarão na parada para discutir os uniformes usados, e a postura do Governo mudou.

De acordo com um comunicado no site do Ministério da Defesa, será aberto um inquérito para perceber se poderá ser desenvolvido um modelo novo, mais “ergonómico”, para ser usado na parada de Agosto e substituir os saltos que se poderiam tornar “inconvenientes" para as cadetes. Caso o design seja um sucesso, deverá tornar-se parte dos uniformes femininos.

Segundo o estudo O Batalhão Invisível, publicado em 2016 por investigadoras ucranianas e apoiado pela Organização das Nações Unidas, é clara a desigualdade de género nas forças militares ucranianas. As mulheres que seguem uma carreira militar têm baixos salários e estão impedidas de aceder a vários cargos. Além disso, têm de usar uniformes e calçado desenhado para os homens, ou arranjar as suas próprias roupas, e não lhes são disponibilizados produtos menstruais.

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