O poder da intuição

A eficácia da intuição pode depender do grau de experiência. Ou seja, especialistas num domínio têm maior probabilidade de tomar melhores decisões instintivas.

Num contexto cada vez mais turbulento, é fundamental compreender como apoiar a tomada de decisão para minimizar resultados indesejados. Esse apoio pode ter uma origem radicada na intuição ou na análise. Encontrar a melhor forma de arbitrar entre estas duas abordagens coincidirá com uma melhor performance das instituições públicas e das organizações privadas.

O embuste do kouros

Em 2005, Malcom Gladwell iniciava o livro Blink com a história de um kouros, uma antiga estátua grega de um jovem rapaz, que entrou no mercado de arte e foi comprada pelo Museu Getty na Califórnia. Era uma obra magnificamente preservada, com cerca de um metro e meio de altura, e o preço pedido era de cerca de 10 milhões de dólares.

O Getty fez todas as verificações normais para estabelecer a autenticidade da peça. Um geólogo determinou que a mármore provinha de uma antiga pedreira de uma ilha do mar Egeu e verificou que o kouros estava coberto com uma fina camada de calcite, uma substância que se acumula em estátuas ao longo de centenas anos. Após 14 meses de investigação, os analistas do Getty concluíram que a estátua era genuína e o museu prosseguiu com a compra.

Concomitantemente, um historiador de arte chamado Federico Zeri viu a estátua e, imediatamente, intuiu que era falsa. Outro historiador pressentiu que embora tivesse a forma de uma estátua clássica, faltava-lhe o “espírito”. Um terceiro descreveu uma repulsa quando observou o kouros pela primeira vez.

Com base nos alertas dos historiadores, foram feitas mais investigações e revelou-se que a estátua tinha sido esculpida por falsificadores em Roma no início da década de 1980. As equipas de analistas, que estiveram 14 meses a analisar o kouros, acabaram por se revelar erradas. Os historiadores, que confiaram nos seus palpites iniciais, estavam certos.

A rapidez e precisão da intuição

Este mês na Harvard Business Review, um antigo colega do programa Erasmus(!), o Oguz Acar, publicou um artigo sobre o mesmo tema: quando uma opinião de um especialista é melhor que uma análise elaborada dos dados.

No artigo conclui-se, através da informação fornecida por 122 empresas nos setores da publicidade, digital, editorial e de software, que a tomada de decisão com base em dados pode ser contraproducente em condições de elevada incerteza. Em sentido contrário, o uso de heurísticas (i.e., regras simples de decisão) e da intuição resultam muitas vezes num melhor balanço em termos de velocidade e precisão na tomada de decisão. Por outras palavras, a inclusão da análise de dados nem sempre acarreta uma melhoria na precisão das decisões e ao mesmo tempo reduz a velocidade de execução.

Há uma ressalva importante nestes resultados. A eficácia da intuição pode depender do grau de experiência. Ou seja, especialistas num domínio têm maior probabilidade de tomar melhores decisões instintivas. Os decisores com menos conhecimento sobre a realidade concreta em que é necessário decidir deverão, portanto, ser mais cautelosos e absterem-se de confiar excessivamente na intuição.

E o futuro da intuição?

A conclusão da história do kouros e os resultados publicados pelo Oguz são em contracorrente com o mais recente mantra da gestão – data-driven decision making – que consiste no apoio dos dados para guiar as decisões nas organizações. É evidente que em ambos os exemplos estamos perante contextos de elevada incerteza e essa condição poderá reduzir a precisão de análises mais profundas. Contudo, com o investimento, que foi acelerado pela pandemia, de governos e empresas no domínio da inteligência artificial e com o aumento exponencial dos dados disponíveis para as organizações é previsível que as situações em que a intuição supera uma análise mais rigorosa sejam cada vez menos.

Acompanhar a evolução da fronteira que separa os contextos de decisão onde nos devemos apoiar na intuição daqueles onde devemos usar os resultados da análise de dados é um desafio ao qual todos devemos estar, particularmente, atentos.

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