A importância de cuidar da tiroide e ser mais feliz

Há quem lhe chame “a glândula da vida”. É essencial para a saúde e bem-estar, mas estima-se que 350 milhões de pessoas em todo mundo sejam afectadas por disfunções da tiroide. O Público organizou em parceria com a Merck Portugal, o webinar “Viver com hipotiroidismo: cuide da sua tiroide e voe mais alto” e alertou para a importância do diagnóstico atempado, a vigilância regular, a literacia para a saúde e o tratamento adequado.

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As estimativas apontam para que 3% da população europeia adulta tenha hipotiroidismo, a mais comum das disfunções da tiroide. Mas também para a existência de até 50% das pessoas estarem sem diagnóstico pelo facto de os sintomas serem muitas vezes confundidos com os de outras doenças. A Semana Internacional da Tiroide decorreu de 25 a 31 de Maio e pelo 13º ano consecutivo, esta iniciativa alertou para as doenças da tiroide, a dificuldade de diagnóstico, a relevância do tratamento e, este ano, o destaque foi para o hipotiroidismo e a insuficiência de iodo para a mãe e para o bebé.

Para assinalar a efeméride, o Público organizou, em parceria com a Merck Portugal, o webinar “Viver com hipotiroidismo: cuide da sua tiróide e voe mais alto” com a participação de João Jácome de Castro, endocrinologista do Hospital das Forças Armadas e presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia Diabetes e Metabolismo (SPEDM), Celeste Campinho, presidente da Associação Portuguesa de Doenças da Tiroide (ADTI) e Noémia Correia Pires, advogada, de 67 anos com diagnóstico de hipotiroidismo desde os 53.

No início do webinar, o médico endocrinologista fez uma contextualização das doenças da tiroide, em geral, e que atingem cinco a sete vezes mais mulheres do que homens. “A tiroide é uma glândula que tem a forma de uma borboleta e que produz um conjunto de substâncias a que chamamos de hormonas, que vão actuar nos principais órgãos do nosso corpo e vão interferir em múltiplas funções do organismo”, explicou.

São vários os sintomas que podem confundir as pessoas e os próprios médicos porque as disfunções da tiroide interferem na regulação da temperatura corporal, do funcionamento intestinal, da frequência cardíaca, da pressão arterial, nos ritmos do sono e da vigília e também com a ansiedade e o estado depressivo, com o controlo do peso, entre outros.

João Jácome de Castro adiantou que as doenças da tiroide podem ser divididas em dois grandes grupos: alteração da forma (quando a estrutura da tiroide sofre modificações, quando surgem nódulos ou quando a tiroide aumenta de forma difusa) e alteração da função. “Os nódulos com repercussão justificam seguimento médico.” Quando a tiroide produz hormonas em excesso, temos o hipertiroidismo e quando funciona de menos, instala-se o hipotiroidismo. Por vezes, há nódulos e a tiroide pode também funcionar mal, em excesso ou em défice, acrescentou.

É importante estar alerta para os vários sintomas até porque existe muito hipotiroidismo sub-diagnosticado. “Há pessoas que não sabem que têm a doença e é preciso que os médicos de múltiplas especialidades estejam atentos”, sublinhou o endocrinologista, indicando que “o objectivo último do médico é curar e é fácil curar os doentes da tiroide”. E, para isso, é preciso tratar. Mas, para tal, é necessário diagnosticar. “É fácil de perceber que a pessoa, depois de tratada, passa a ser outra nas suas relações familiares e profissionais”, acrescentou João Jácome de Castro.

Existem grupos populacionais em que deve ser feito o rastreio às doenças da tiroide, nomeadamente, nas mulheres que estão a tentar engravidar, durante a gestação e as mulheres na fase da menopausa. “Não é consensual em todos os países, mas é a opinião generalizada dos endocrinologistas por esse mundo fora.”

O hipotiroidismo na primeira pessoa

Noémia Pires foi diagnosticada aos 53 anos depois de identificar alguns sintomas. “Paulatinamente fui-me sentindo muito cansada, com muito sono, muito frio, apetecia-me chorar e só estava bem se estivesse muito sossegada, sem que ninguém me incomodasse”, explicou. Sem energia para comer, para trabalhar e para fazer as rotinas normais, só se sentia bem se ficasse deitada de manhã à noite. “Entretanto, marquei uma consulta em psiquiatria porque pensei que estaria a fazer uma depressão, mas o médico que me viu não achou que estivesse deprimida, ainda que achasse que tinha muito trabalho e devia abrandar”, contou. Além de advogada, Noémia é presidente de uma assembleia municipal e de um lar de crianças abandonadas, no Porto, pelo que o médico sugeriu que descansasse. Noémia também não conseguia dormir porque sofria de insónias. Foi-lhe prescrita uma medicação natural especificamente para esta queixa, mas sem sucesso.

Seguiu-se uma ida à endocrinologista que já a seguia há alguns anos devido à tendência genética que tem para a obesidade. Fez análises ao sangue “e estava tudo abaixo dos níveis de referência”. Depois de receber o diagnóstico, passou a ser medicada e vigiada em consulta de endocrinologia anualmente. As consultas de vigilância para regularização da terapêutica podem ser ajustadas consoante as necessidades, referiu João Jácome de Castro. “Quando se muda as doses, temos de fazer um ajuste passados dois meses ou quando a pessoa se começa a sentir pior.”

Nas recomendações que dá aos doentes, indica que será necessário haver uma consulta passado um ano, mas, se sentirem algo, podem antecipá-la “No caso da doença auto-imune, começamos habitualmente com doses baixas mas vamos aumentando ao longo da vida.” O endocrinologista referiu que ao longo do tempo, foram surgindo mecanismos de ação novos e que, “no hipotiroidismo, a preocupação foi a de haver mais doses para tratar com mais rigor”. Quando começou a exercer, havia apenas uma dose de hormona tiroideia e hoje já existem onze, o que se explica pela evolução da inovação científica. Um doente compensado consegue ter maior qualidade de vida e viver sem sintomatologia associada.

Noémia Pires reforçou a importância da adesão à terapêutica e confirmou que toma a sua medicação religiosamente. “A primeira coisa que faço de manhã é tomar a medicação e depois esqueço-me completamente de que tenho hipotiroidismo. Claro que me obriga a ter algum controlo e cuidados”, sublinhou, partilhando que um esquecimento pode tornar os dias mais complicados uma vez que os sintomas e o desconforto se instalam com alguma rapidez.

“A glândula da vida”

A ADTI dá apoio aos doentes com a tiroide e algum apoio no esclarecimento de dúvidas, mas na primeira fase de pandemia, há cerca de ano e meio, houve um decréscimo de e-mails e de contactos com a associação. “Notámos que as pessoas estavam focadas noutros assuntos e tinham outras preocupações. Quando nos apercebemos que o mundo estava a passar por esta fase tão complicada, notámos ainda que as pessoas não nos colocavam questões e pareceu-nos que houve um adormecimento do tema”, referiu Celeste Campinho, presidente da associação. Já em 2021 nota-se uma maior preocupação por parte dos doentes. “Não estamos em números de 2019, mas nota-se alguma atenção à tiróide”, sublinhou. Aos poucos, a situação tem vindo a melhorar e a actividade a retomar.

Ao longo dos anos, a presidente da ADTI que está no cargo desde 2012, tem notado uma maior literacia da população relativamente às doenças da tiroide. “Nós apercebíamo-nos que muitas pessoas ouviam falar da tiroide, mas não sabiam muito bem o que era. Temos campanhas que alertam para a importância desta que é – como já alguém lhe chamou – “a glândula da vida”. Temos feito este trabalho de alertar, sensibilizar e disponibilizar matéria fidedigna e temos notado ao longo do tempo que as pessoas já estão mais informadas”, explicou Celeste Campinho, acrescentando que todos os membros da associação são voluntários. “Todos nós temos as nossas profissões. Olhando para trás, gostava de ter feito mais”, afirmou, ainda que consciente da difícil tarefa de conciliar tudo. “Em Portugal, as pessoas não se associam muito e eu gostava de fazer um apelo para se juntarem à associação porque só assim conseguimos ter uma força diferente e actuar.”

João Jácome de Castro salientou que a SPEDM também desempenha um papel essencial ao nível da literacia para a saúde e que está neste momento a fazer um trabalho de reestruturação das redes sociais que surgem como ferramentas fundamentais numa era de desinformação como a que vivemos. “Temos um site, fazemos campanhas, muitas vezes de braço dado com a associação de doentes, temos folhetos que disponibilizamos aos doentes, o que é, de facto, importante.” Em caso de dúvida, o médico endocrinologista sugeriu a procura de informações fidedignas em sites, como os da ADTI e da SPEDM, e alertou para o risco de procurar informações de forma aleatória.

Celeste Campinho destacou um inquérito que a ADTI está a realizar neste momento e que tem como objectivo ter a percepção de como vivem os doentes com hipotiroidismo [Esta doença representa uma percentagem muito grande das doenças da tiroide]. “Dentro de pouco tempo, iremos dar os resultados porque é importante perceber como é que vive a pessoa com esta doença.” Para os doentes que queiram participar, as respostas são anónimas e podem ser dadas através do site. ​

A relação da tiróide na gravidez

Durante a gravidez, são necessárias mais hormonas da tiroide. “Numa pessoa com hipotiroidismo, essa compensação tem de ser feita com um controlo e uma vigilância mais apertados”, referiu João Jácome de Castro. Para as futuras mães que têm questões relacionadas com a toma da medicação durante a gravidez, o pior que podem fazer é parar a terapêutica. Durante esta fase, são usados parâmetros laboratoriais diferentes dos que constituem uma referência habitualmente. “As mensagens a passar são as de que durante a gravidez, nunca se deve parar a hormona tiroideia, a doente deve ser sempre acompanhada por um endocrinologista e um obstetra, vigiar de perto a função tiroideia e, provavelmente, ser sujeita a vários ajustes de dose”, referiu o médico. Esta vigilância é essencial para a saúde da mãe, do bebé e também para o sucesso da gravidez.

Durante este período, o iodo é o principal “combustível” para a produção de hormonas da tiroide. Assim, há a necessidade de fornecer mais iodo à mulher durante a gestação. “Por isso, a Direcção Geral da Saúde – e aliás, esta é uma iniciativa da SPEDM de há cerca de dez anos - lançou uma orientação para que os médicos façam suplementação com iodo na pré-concepção, na gravidez e no aleitamento”, explicou o endocrinologista. Um grupo de endocrinologistas da SPEDM fez um grande estudo nacional que verificou que, em Portugal, há uma importante falta de iodo entre as mulheres grávidas, principalmente em algumas regiões do País. “No limite, muita falta de iodo pode provocar falta de hormonas tiroideias e graves consequências fetais.”

Tratar mais e melhor

No final deste debate, o médico endocrinologista adiantou que apesar de a prevalência das doenças da tiroide ser maior entre as mulheres, os homens não estão imunes e que é importante que se queixem dos seus sintomas.

“Só com pessoas e com grupos com massa crítica é que conseguimos ter mais força e maior representatividade fora do País. Sabemos que o grupo de potenciais associados é muito grande e é importante que as pessoas se associem e trabalhem em prol da associação”, alertou Celeste Campinho, indicando que a ADTI tem uma grande necessidade de voluntários.

Noémia Pires recorda a ansiedade que sentia antes do diagnóstico que, não raras vezes, é um desafio para doentes e médicos. “Quando me disseram que tinha hipotiroidismo, foi um alívio. É uma doença facilmente solucionável, é só ter aquele comprimido e tomar diariamente.” Quanto às diferenças que sente antes da toma da medicação e os dias de hoje, a doente afirma que “é incomparável”. “Não conseguiria continuar a viver assim”, afirmou, uma vez que os sintomas que tinha eram muito incapacitantes. A toma da medicação está tão enraizada na sua rotina diária que chega a esquecer-se do dia em que “tem folga” terapêutica, ao Domingo. “Sem termos esta glândula a funcionar bem, passamos para o outro lado da vida. Portanto, não há que complicar e quando se sentirem mais em baixo, procurem o endocrinologista ou o médico de família para terem a ajuda necessária”, concluiu.

Ficou bem patente neste webinar a relevância de as pessoas conhecerem mais as doenças da tiroide, saberem que elas existem para combater o sub-diagnóstico. “É fácil tratar as doenças da tiroide mas é preciso diagnosticar mais cedo. Vamos de braço dado tratar mais e melhor as pessoas com doença da tiroide”, reforçou João Jácome de Castro.