O ajuste direto simplificado após a 12.ª revisão ao Código dos Contratos Públicos: escolhas e riscos

A 12.º revisão do Código dos Contratos Públicos não foi entendida como uma oportunidade para melhor prosseguir o interesse público em termos de concorrência e de transparência, deixando abertos claros e evidentes riscos para a gestão pública.

1. Por dados de 2019 (Relatório de Contratação Pública in base.gov.pt), cerca de 31% de todos os contratos públicos de bens móveis, serviços e obras públicas foram precedidos de ajustes diretos simplificados. Os ajustes diretos simplificados são os procedimentos que menos garantias de transparência e imparcialidade introduzem na escolha dos privados, e mais problemas de controlo da despesa originam, pela total ausência de concorrência. O seu exponencial aumento pelas recentes alterações introduzidas pela 12.ª alteração ao Código dos Contratos Públicos vem ao arrepio das boas práticas e da Estratégia Nacional Anticorrupção 2020-2024: “A contratação pública é uma das áreas em que se justificam alterações ao quadro legal, no sentido de tornar os procedimentos mais transparentes e assim reduzir os contextos facilitadores da corrupção” (página 20 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 37/2021, de 06 de abril). Com o presente artigo procuraremos apontar as novas soluções legais vertidas na Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, que, teoricamente, por ação ou omissão, mais engulhos poderão implicar na boa gestão do erário público.

2. No artigo 16.º do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2018, de 09 de janeiro (adiante CCP), determinam-se os tipos legais de procedimentos de formação de contratos concorrenciais, que as entidades adjudicantes devem adotar, nomeadamente dois procedimentos fechados à publicidade – consulta prévia e ajuste direto (cujo regime está vertido, em particular, nos artigos 112.º a 129 do CCP). A introdução do procedimento fechado de consulta prévia no CCP pela revisão de 2017 deveria ter determinado a alteração da nomenclatura das secções [Secção I (Disposições comuns); Secção II (Regime geral); Secção III (Ajuste direto simplificado)] do Capítulo I (Consulta prévia e ajuste direto) do Título III (Tramitação procedimental). Com efeito, a divisão das citadas seções visava consagrar um regime comum para o ajuste direto geral e, de seguida um regime próprio e um regime especial, este último estatuído apenas para o ajuste direto simplificado. Hodiernamente, seria mais ajustado, considerando que o legislador não estabeleceu um regime simplificado para a consulta prévia, designar a Secção II por “regime comum”, pois a relação potencialmente existente entre o regime da Secção III e aquela é a que resulta desta última estabelecer um regime próprio para ​o ajuste direto simplificado e não um regime especial.

3. O procedimento pré-contratual “ajuste direto simplificado” constitui um ajuste direto porquanto é um “procedimento em que a entidade adjudicante convida diretamente uma entidade à sua escolha a apresentar proposta” (cfr. o artigo 112.º, n.º 2 ex vi artigo 128.º, n.º , ambos do CCP); afasta-se do regime do ajuste direto quando estabelece regras pré-contratuais próprias [cfr. os artigos 40.º, n.º 1, alínea a), in fine e 128.º do CCP], e fixa parcialmente o clausulado do contrato a executar (cfr. o artigo 129.º do CCP).

4. Ao contrário de outras vozes – que, anteriormente, postulavam a não aplicabilidade da figura do gestor do contrato, prevista no artigo 290.º-A do CCP –, sempre nos pareceu ser o gestor do contrato uma figura extensível e com aplicabilidade aos contratos antepostos de ajuste direto simplificado. A alteração introduzida manifesta, portanto, que o legislador estava plenamente seguro da dúvida dogmática suscitada pelo regime então vigente, ficando agora sanada com a nova redação do artigo 128.º, n.º 3 do CCP. Embora, como já escrevemos em outra sede, a “dispensa” da sua utilização não posterga ou obstaculiza a sua adoção pelas entidades adjudicantes, quando assim fique mais bem assegurado o interesse público. Aliás, tratando-se de contratos de empreitadas de obras públicas, muito nos surpreenderia que a entidade adjudicante respetiva – ainda mais quando se trate de um contrato com um prazo de vigência dilatado – não assegurasse a boa execução das suas prestações, pela designação do gestor do contrato. A generosidade legislativa deveria ter excecionado a não utilização da figura do gestor do contrato, apenas a contratos de bens móveis e de serviços; aliás, o disposto no artigo 344.º, n.ºs 2 e 3 do CCP, na nova redação, ao realizar uma divisão funcional de tarefas, demarca a atuação do campo de cada um deles reciprocamente entre si, e de ambos perante o dono da obra. Assim é, porquanto o legislador bem sabia que, na execução de contratos de bens e de serviços, não existe a mesma necessidade de assegurar a destrinça da vertente estritamente jurídica e da técnica na sua execução, por parte do contraente público, pela correta repartição de competências e responsabilidades dos seus representantes. Pelo contrário, o dono da obra tem de balizar o exercício dos seus representantes, tal como resulta do disposto no citado artigo 344.º, n.ºs 2 e 3, pela natureza específica das prestações contratuais inerentes a este tipo contratual.

5. A alteração introduzida no artigo 129.º, n.º 1 do CCP modificou o prazo máximo de vigência do contrato precedido de ajuste direito simplificado, de um para três anos – exponenciando o apetite das entidades adjudicantes pela sua escolha. Com efeito, como resulta do disposto no artigo 48.º do CCP, o prazo regra para a duração de contratos de bens móveis ou de aquisição de serviços é de três anos. A permissão da utilização do ajuste direto simplificado para a escolha do cocontratante de contratos de empreitadas de obras públicas – introduzida na revisão de 2017 –, vem, pela primeira vez, impor a este tipo contratual um prazo de duração máximo de vigência. Não deixa de ser interessante que, o Decreto-Lei n.º 19-A/2020, de 30 de abril, tendo caráter temporário e excecional – vigente tão-somente em estado de emergência –, no seu artigo 3.º, n.º 2, ao prescrever que “nos contratos em que se preveja expressamente o direito do contraente ou parceiro privado a ser compensado por quebras de utilização ou em que a ocorrência de uma pandemia constitua fundamento passível de originar uma pretensão de reposição do equilíbrio financeiro, tal compensação ou reposição só pode ser realizada através da prorrogação do prazo de execução das prestações ou de vigência do contrato”, constitui (ou não) uma norma de natureza excecional relativamente ao disposto no artigo 129.º, alínea a) do CCP. Assim, tendemos a considerar a admissão da interpretação de que, o citado artigo 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 19-A/2020, prevalece em situações de anormalidade, ficando a restrição imposta pelo artigo 129.º, alínea a) do CCP, apenas fora dos casos aí não regulados. A bem de dizer que, fora do âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 19-A2020, o raciocínio explanado no parágrafo anterior não é aplicável à reposição do equilíbrio financeiro do contrato, previsto no artigo 282.º do CCP, maxime no n.º 3, quando permite a produção dos seus efeitos “na falta de estipulação contratual, designadamente, através da prorrogação do prazo de execução das prestações ou de vigência do contrato [que alargue o período de vigência além dos três anos], da revisão de preços”. O que determina o equilíbrio financeiro pela compensação financeira.

6. Concluímos que a 12.º revisão do Código dos Contratos Públicos não foi entendida, pelo menos relativamente ao procedimento menos formal para escolha do privado que fornecerá à Administração Pública bens, serviços e obras, como uma oportunidade para melhor prosseguir o interesse público em termos de concorrência e de transparência, deixando abertos claros e evidentes riscos para a gestão pública.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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