Voss

Porque todas as crianças, raparigas e mulheres têm direito a sentir-se tão seguras como confortáveis no seu equipamento de desporto, longe de olhares não apenas judiciosos mas perversos, Sarah Voss desfilou, e desfila, em fato completo numa tomada de posição copiada pelas suas colegas e apoiada prontamente pela Federação Alemã de Ginástica.

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Sarah Voss Arnd Wiegmann

Bons ventos sopraram recentemente de Basileia quando Sarah Voss, ginasta alemã, fez história no Campeonato Europeu de Ginástica Artística ao actuar com um fato completo.

Se as convenções na ginástica ditam a cada atleta o dever de actuar com um fato de ginástica de meia manga ou manga comprida, tal dever não é, no entanto, regra, podendo a atleta optar por usar um fato completo caso assim o deseje. 

Felizmente, Sarah Voss não se ficou pelo desejo: rompendo com a tradição sem, no entanto, romper com os regulamentos, Voss participou nos europeus com um fato completo em sinal de protesto contra a sexualização do corpo das ginastas. Mas não só: um sinal de protesto contra os sucessivos escândalos num mundo onde a ginástica não tem sido senão uma desculpa para sucessivos abusos físicos, emocionais e sexuais sofridos por gerações e gerações de atletas, abusos esses que só agora vêm a luz do dia

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Sarah Voss Arnd Wiegmann/Reuters

Não terão as atletas o direito a competir com um fato com o qual se sintam confortáveis? Por que razão têm as ginastas de expor o corpo e quem determina tal presunção? E se as ginastas não se quiserem expor? Nunca mais? 

Quando as regras internacionais para um fato de ginástica feminino caem no ridículo da não permissão de mais um centímetro que seja dois centímetros abaixo das nádegas, em contraposição com fatos masculinos em que ninguém se atreve sequer a referir o termo centímetro, nada garante a não exposição acidental de uma rapariga ou mulher entre saltos e piruetas. 

A entrada na puberdade aumenta o desafio, obrigando as atletas a rituais meticulosos quando se tem de conjugar o período com a competição, a depilação púbica com um fato ao nível do fio dental, sem esquecer a cola de spray aplicada nas nádegas para que o fato não lhes fuja sob pena de perda de pontos. 

Expostas, quantas não são as vezes em que estas crianças, raparigas ou mulheres estão mais preocupadas com o fato e com o que o mesmo não cobre ao invés da ginástica em si?

Neste contexto, é impossível à ginasta não se sentir vulnerável diante dos olhares de um desporto em que as mulheres são julgadas não só pela sua competência mas ainda mais pela aparência e apresentação. Como sempre foram julgadas pela aparência e apresentação por uma Federação Internacional de Ginástica de regras e protocolos bafientos em que a imagem da mulher objectificada está ainda bem presente.

E o que dizer da auto-estima e da imagem corporal, mais o modo como as mesmas são afectadas, levando tantas vezes a distúrbios alimentares como a bulimia ou a anorexia? E porque todas as crianças, raparigas e mulheres têm direito a sentir-se tão seguras como confortáveis no seu equipamento de desporto, longe de olhares não apenas judiciosos mas perversos, Sarah Voss desfilou, e desfila, em fato completo numa tomada de posição copiada pelas suas colegas e apoiada prontamente pela Federação Alemã de Ginástica.

E não, daqui em diante as ginastas não têm de se cobrir da cabeça aos pés. Mas podem, se assim o entenderem, sem por isso deixarem de se sentir elegantes, atraentes e, mais do que tudo, confiantes e seguras das suas capacidades. No fim, dependentes de si próprias e de mais ninguém.

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