Covid-19, pobreza e saúde

A Saúde é uma opção política e os seus determinantes sociais podem, por essa via, ser balanceados, influenciando, positiva ou negativamente, a equidade em Saúde.

Em todos os países, do mais rico ao mais pobre, existe uma estratificação das classes sociais através de um gradiente estabelecido de acordo com a distribuição de rendimentos, educação, poder, entre outros recursos.

O conjunto destas circunstâncias e as suas interligações impactam múltiplos aspetos da nossa existência, sobretudo a Saúde e, por isso, denominam-se determinantes sociais da Saúde. A Organização Mundial da Saúde define-as como as condições em que nascemos, crescemos, vivemos, aprendemos, trabalhamos, nos divertimos e envelhecemos. São fatores independentes dos cuidados médicos que modelam significativamente a Saúde e são influenciados através de políticas e decisões sociais.

A Universidade de Wisconsin produz um relatório anual sobre classificação municipal da Saúde nos Estados Unidos da América e o modelo aí desenvolvido confere o seguinte peso relativo sobre a Saúde das populações a cada um dos diversos fatores: condição socioeconómica – 40%; estilos de vida – 30%; cuidados clínicos – 20%; ambiente físico – 10%.

As classes sociais mais desfavorecidas e vulneráveis são as que apresentam maior risco para desenvolver obesidade, depressão, diabetes, patologia cardiovascular e doença respiratória. E as determinantes sociais mais influentes são o nível de escolaridade, a estabilidade económica, o contexto social e comunitário, a habitação e vizinhança e a alimentação.

Há já mais de um ano, a covid-19 transformou-se no maior desafio para as populações e serviços de saúde de todo o mundo. Nenhum segmento social é poupado, mas, também neste caso, existem desigualdades diretamente relacionadas com os gradientes sociais. Os grupos e comunidades mais pobres, com menores graus de educação e piores condições de vida, incluindo a habitação, têm maior suscetibilidade para contrair infeção, doença mais grave, evolução mais severa e mortalidade mais elevada.

A crise económica provocada pela covid-19 arrastará até um bilião de pessoas para a pobreza e muitas mais verão os seus rendimentos serem de alguma forma afetados devido à variável, mas inevitável, quebra nas receitas dos diversos países. Em consequência, muitas determinantes sociais vão degradar-se, nomeadamente o emprego, habitação, educação, alimentação, cuidados de saúde e salários.

Um estudo agora publicado pela Fundação Manuel dos Santos indica que, em 2019, ainda antes da covid-19, 1,6 milhões de portugueses estavam em risco de pobreza, apesar de um terço destes terem emprego sem precariedade. A pandemia agravará substancialmente este nosso cenário de pobreza nacional.

Os efeitos deste preocupante contexto acentuarão as diferenças e desníveis do estado de saúde entre cidadãos, com detrimento óbvio dos mais idosos, mais desprotegidos e com menores recursos.

Os governos e demais autoridades mundiais deverão dar a maior atenção a estas matérias, até porque, como já vimos, os cuidados clínicos são responsáveis por apenas um quinto da Saúde e bem-estar das populações.

A Saúde é uma opção política e os seus determinantes sociais podem, por essa via, ser balanceados, influenciando, positiva ou negativamente, a equidade em Saúde.

Considerando que o contributo dos setores ‘fora da Saúde’ excede o contributo do seu setor específico, temos de concordar que ‘tudo é Saúde’ e o seu financiamento público terá não só de ser diversificado, como também baseado em resultados, não em custos.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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