Ex-ministra timorense perde acção contra Portugal no Tribunal dos Direitos Humanos

Caso foi um dos que terão conduzido à expulsão de magistrados nacionais do território timorense em 2014. Juízes de Estrasburgo dizem que Estado português não tinha como controlar a sua actuação.

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Lúcia Lobato ANTONIO AMARAL/LUSA

A antiga ministra da Justiça timorense Lúcia Lobato perdeu esta quinta-feira a acção que desencadeou contra Portugal no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, num caso que remonta à década passada e que teve algumas repercussões nas relações diplomáticas entre os dois países.

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A antiga ministra da Justiça timorense Lúcia Lobato perdeu esta quinta-feira a acção que desencadeou contra Portugal no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, num caso que remonta à década passada e que teve algumas repercussões nas relações diplomáticas entre os dois países.

A ex-governante foi condenada pela justiça timorense em 2012 a uma pena de cinco anos de prisão efectiva, por ter entregado um negócio de aquisição de fardas para os guardas prisionais a uma firma com ligações ao seu marido. E dos colectivos de juízes que apreciaram o caso, quer na primeira instância, quer nas instâncias de recurso, faziam parte magistrados portugueses, que ali desempenhavam funções em comissões de serviço.

Lúcia Lobato acabou por cumprir apenas ano e meio de prisão, graças a um indulto presidencial, mas nunca desistiu de tentar provar que tinha sido tratada de forma injusta. E foi uma magistrada portuguesa a dar-lhe o principal argumento, quando revelou às autoridades timorenses e também às nacionais, em Fevereiro de 2013, uma mensagem de correio electrónico que lhe tinha sido enviada por um desses juízes, Rui Penha, seu amigo há 30 anos. 

Nesse e-mail, o magistrado revelava a Margarida Veloso, que tinha sido inspectora judicial em Timor-Leste até há pouco tempo, que uma juíza timorense tinha coagido outro magistrado internacional, José Góia, a não aceitar um pedido de habeas corpus da ex-ministra, chantageando-o com a renovação da comissão de serviço. A mesma inspectora judicial garantia que as decisões dos tribunais timorenses de recurso sobre este caso enfermavam de erros graves.

O caso acabou por vir parar também a Portugal, onde o Conselho Superior da Magistratura acabou por aplicar sanções não só a Rui Penha, mas também à própria Margarida Veloso, que foi suspensa durante 40 dias. Considerou que ambos violaram o dever de reserva e de correcção, ao falarem com outras pessoas sobre processos concretos, e que a magistrada tinha posto ainda em causa o princípio da confiança do público na administração da justiça.

Porém, o Supremo Tribunal de Justiça havia de dar-lhe razão e de revogar a sanção disciplinar. “Denunciou factos notoriamente integrantes de graves ilegalidades e irregularidades procedimentais susceptíveis de, no mínimo, serem causa de grave prejuízo para a arguida Lúcia Lobato”, decidiram os conselheiros em 2016.

Juízes portugueses expulsos

Antes disto, em Novembro de 2014, o primeiro-ministro Xanana Gusmão tinha expulsado daquele território todos os magistrados portugueses que ali se encontravam em serviço. Embora o líder histórico timorense nunca tenha admitido que na origem desta decisão tenham estado quer os acontecimentos ligados à ex-ministra da Justiça, quer outros posteriores do mesmo género – que dariam origem à condenação de outro membro do seu executivo, a titular da pasta das Finanças –, essa foi a leitura feita na altura.

Lúcia Lobato apresentou queixas sobre o que se tinha passado consigo junto de duas instâncias internacionais, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. E se da ONU nunca recebeu resposta, precisou de esperar quase sete anos para que os juízes de Estrasburgo concluíssem que afinal não podem sequer apreciar o caso, uma vez que o Estado português não tinha qualquer margem de manobra para controlar o que faziam os juízes internacionais em território estrangeiro. Apesar de estarem sob jurisdição do Conselho Superior da Magistratura, não actuavam como agentes do Estado português.

Também a alegação da antiga ministra de que o Conselho Superior da Magistratura demorou demasiado tempo a apreciar este caso em Portugal não teve acolhimento por parte do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que entendeu que a demora não foi excessiva. 

Contactado pelo PÚBLICO, o advogado da antiga ministra, Guilherme Ribeiro de Almeida, diz que pondera recorrer da decisão do tribunal de Estrasburgo. “A questão essencial era saber que o Estado português, perante a actuação concreta destes juízes, tinha a obrigação de tomar medidas para os afastar dos processos, de forma a garantir que Lúcia Lobato tinha direito a um processo justo e equitativo”, observa. “Era essencial que o Conselho Superior da Magistratura, no exercício do seu dever de denúncia, tivesse reportado os factos ao Ministério Público para que este averiguasse a existência de crimes na actuação dos referidos magistrados”.