O Plano de Ação para a Economia Social e o futuro da Europa Social

É sobretudo em momentos de crise que a economia social experimenta e implementa inovações com potencial de transformação sistémica que, em diferentes momentos históricos, contribuíram para o progresso das sociedades

A Presidência Portuguesa do Conselho assumiu como tarefa fazer avançar o Pilar Europeu dos Direitos Sociais (PEDS) e, dentro deste, o Plano de Ação para a Economia Social. Este foi uma proposta formulada pela Social Economy Europe, a pedido do Intergrupo para a Economia Social do Parlamento Europeu, e das organizações da economia social. No Plano de Ação para o Pilar Europeu dos Direitos Sociais escreve-se: “Adotar um plano de ação para a economia social no quarto trimestre de 2021 e explorar o potencial da economia social para criar empregos de qualidade e contribuir para um crescimento justo, sustentável e inclusivo.” A estratégia para a elaboração deste Plano está agora em consulta pública.

O PEDS, proposto no comissariado de Jean-Claude Junker, e percebido como o regresso da dimensão social à Europa, possui continuidades em relação às tendências anteriores à crise iniciada em 2008. Entre estas conta-se a orientação para o investimento social, ou seja, promover uma população saudável, educada e disponível para trabalhar através do investimento na educação, saúde e serviços sociais, na igualdade de oportunidades e na luta contra a pobreza. Inclui também uma maior ênfase na promoção de empregos de qualidade. Já o Plano de Ação para o PEDS sob o comissariado de Ursula von der Leyen, possui diferenças de contexto e de prioridades. A agenda Europeia está agora marcada pela emergência ambiental e pela emergência sanitária, e pela prioridade dada pela Comissão à transição ecológica e digital. Este contexto trará alterações no modo como as políticas sociais são pensadas e implementadas e, também, desafios quanto à articulação entre a proteção social e a transição ecológica.

Como pensar o lugar da economia social neste novo contexto? Em primeiro local, é notável que, através da sua inclusão no PEDS, a economia social tenha regressado à sua relação com o papel do Estado no bem-estar. Com isto, reafirma-se a tradicional parceria entre o Estado e a economia social em muitos países europeus, entre os quais se conta Portugal. Por outro lado, é inegável a presença da herança dos anos anteriores, quando o campo da economia social foi, em grande medida, pensado a partir da economia de mercado. É por isso que, se as preocupações enunciadas em vários documentos recentes, entre os quais as propostas da Social Economy Europe e o roadmap da Comissão Europeia, refletem o que, desde há muito tempo, tem vindo a ser reivindicado pela economia social – reconhecimento legal e estatístico, financiamento adequado, enquadramento fiscal favorável – também incluem novos conceitos e preocupações como a medição do impacto e o investimento de impacto, o crescimento e a replicação das organizações e das suas inovações, o empreendedorismo social e o emprego jovem, ou a relação das empresas da economia social com a contratação pública.

Os documentos reconhecem, com maior ou menor ênfase, a relevância que a economia social tem nas sociedades: o seu contributo para o emprego, a sua presença nos serviços sociais, saúde, educação e habitação, o seu contributo para a inclusão social e o desenvolvimento local, o seu papel na mobilização da participação dos cidadãos e, mais recentemente, o seu papel na luta contra as alterações climáticas. Como sempre em tempos de crise, é inegável que os últimos anos viram aparecer um conjunto vasto de inovações provenientes da mobilização dos cidadãos e da economia social, tanto no campo do bem-estar, como no campo do ambiente e da sustentabilidade local e nas próprias formas de economia, como é o caso da economia solidária.

Porém, a questão é que a economia social torna evidente, quando não formula explicitamente, é a da incompatibilidade existente entre uma lógica de crescimento económico movida pelo lucro e pela contínua expansão do mercado a múltiplas esferas da sociedade e da vida e a resposta aos desafios com os quais as sociedades se confrontam atualmente.

As organizações da economia social são organizações de pessoas e não de capital, o que se percebe na sua missão social, nas regras democráticas de tomada de decisão, e no facto de terem a sua génese e desenvolvimento na mobilização de pessoas na busca de soluções para problemas e aspirações sociais. É sobretudo em momentos de crise que a economia social experimenta e implementa inovações com potencial de transformação sistémica que, em diferentes momentos históricos, contribuíram para o progresso das sociedades. Tal aconteceu na construção do Estado Providência e no significativo progresso deste nos anos de 1960s. Tal acontece agora, que nos encontramos perante diversas crises.

Como em outros momentos históricos, há que perceber um papel determinante da economia social, não apenas como um elemento de um projeto para uma Europa mais justa e mais sustentável, mas como um parceiro incontornável na construção desse projeto, começando pelo próprio PEDS. Para tal, devemos partir da economia social para pensar a sociedade, a economia e a política. Não menosprezando os vários contributos que estão a ser dados no âmbito do Plano de Ação para a economia social, ensaio aqui três exemplos de propostas orientadas para mudanças institucionais mais profundas.

O primeiro diz respeito ao reconhecimento da economia social. Não basta insistir na construção de instrumentos de medição de impacto das organizações da economia social. É necessário que os instrumentos contabilísticos existentes, desde as contas nacionais à contabilidade empresarial, sejam revistos para valorizar a especificidade das organizações da economia social, incluindo a valorização da sua própria diversidade interna.

O segundo diz respeito ao financiamento. Não basta discutir o acesso a novas formas de financiamento, como o financiamento por impacto ou a participação do sector lucrativo no financiamento de projetos sociais. É necessário que as empresas da economia social tenham acesso ao mercado em condições de igualdade com as empresas lucrativas, sem para tal terem de perder a sua especificidade.

O terceiro diz respeito à contratação pública. Não basta melhorar o acesso das empresas da economia social à contratação pública. É necessário reconhecer que estando desenhadas a partir de um modelo concorrencial, nem sempre as regras da contratação pública são adequadas à complexidade das lógicas económicas das organizações da economia social e das relações com os seus parceiros, nomeadamente o poder local, e ao próprio caráter inovador e único dos seus produtos e serviços.

Estas três propostas sugerem mudanças significativas na fiscalidade, na contabilidade ou nas leis da concorrência, mas são um exemplo do contributo que a economia social pode dar para o desenho de uma economia mais plural e mais capaz de responder ao que dela se exige no momento atual.

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