Ataque à liberdade de imprensa em Macau e obrigações do Estado português

Este caso, de consequências mais profundas do que aquilo que aparenta, deixará marcas indeléveis no jornalismo de Macau. Apelamos a que zelem pelo cumprimento dos tratados que Portugal assinou e condenem as violações perpetradas, agindo e fazendo agir no sentido da sua retificação.

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João Relvas/Lusa

O sistema social de Macau está em risco, com prejuízo para os direitos e liberdades dos seus habitantes, cuja manutenção por um período de 50 anos, a partir de 20 de dezembro de 1999, foi acordada em instrumento de direito internacional pela República Portuguesa e pela República Popular da China. Designadamente, a Declaração Luso-Chinesa sobre a Questão de Macau, assinada em 13 de abril de 1987, em Pequim, pelos chefes de governo de ambos os países, aprovada para ratificação pelos deputados à Assembleia da República Portuguesa em 11 de dezembro de 1987, e registada desde 22 de março de 1988 pelo Secretariado-Geral da Organização das Nações Unidas. 

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O sistema social de Macau está em risco, com prejuízo para os direitos e liberdades dos seus habitantes, cuja manutenção por um período de 50 anos, a partir de 20 de dezembro de 1999, foi acordada em instrumento de direito internacional pela República Portuguesa e pela República Popular da China. Designadamente, a Declaração Luso-Chinesa sobre a Questão de Macau, assinada em 13 de abril de 1987, em Pequim, pelos chefes de governo de ambos os países, aprovada para ratificação pelos deputados à Assembleia da República Portuguesa em 11 de dezembro de 1987, e registada desde 22 de março de 1988 pelo Secretariado-Geral da Organização das Nações Unidas. 

Em particular, chamamos a atenção para a limitação à liberdade de informação que configuram as recentes instruções dadas aos jornalistas dos departamentos de língua portuguesa e inglesa da emissora pública Teledifusão de Macau (TDM) para que não divulguem “informações e opiniões contrárias às políticas do Governo Central da República Popular da China”, podendo a não obediência a esta instrução dar direito a despedimento com justa causa. Nas instruções supra referidas, e de acordo com os relatos que nos chegam de jornalistas da TDM, indica-se ainda que “a TDM é um órgão de divulgação da informação do Governo Central da República Popular da China e da RAEM”. 

O incidente, primeiro divulgado na imprensa local, mereceu a manifestação de enorme preocupação por parte da Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau, que assinalou a desconformidade das referidas instruções com o que estipula a Lei de Imprensa da Região Administrativa Especial de Macau, bem como com o Manual Editorial da própria TDM. Em Portugal, o Sindicato dos Jornalistas acompanhou a preocupação, tendo ainda a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) produzido um comunicado de condenação pela interferência na gestão editorial da emissora pública de Macau, bem como na de Hong Kong. A RSF instou os governos de ambas as regiões administrativas especiais a que cessem “ataques à liberdade de imprensa”. 

Os testemunhos de jornalistas de língua portuguesa e de língua chinesa de Macau, publicados em vários artigos ao longo dos últimos dias, denunciam “pressões internas”, reconhecem a autocensura nas redações e um espaço cada vez mais reduzido para “notícias de cariz político mais sensível”.

É certo que, perante o impacto público das medidas internamente tomadas, a TDM recuou publicamente, dizendo agora que nada de relevante irá mudar. Infelizmente, sabemos que não será assim. Este caso, de consequências mais profundas do que aquilo que aparenta, deixará marcas indeléveis no jornalismo de Macau.

A diretiva que exige à TDM uma linha editorial patriótica, e que proíbe a divulgação de informações e opiniões contrárias às políticas da República Popular da China, já levou à apresentação de demissão por parte de pelo menos seis jornalistas.

O recuo nas liberdades e garantias consagradas tem ocorrido paulatinamente em Macau, coartando o espaço político e a pluralidade de opiniões, o que até aqui tem vindo a ser noticiado pela imprensa local, incluindo pela TDM. Porém, a pretensão de que os jornalistas da TDM atuem enquanto promotores de “patriotismo” vem agora pôr em causa a liberdade de imprensa e o papel da emissora pública de Macau, atentando ainda contra o direito de a população ser informada de forma livre e isenta. 

A existência de jornalismo livre é condição sem a qual não mais poderemos saber o que sucede em Macau, onde existem comunidades portuguesas, e relevantes interesses culturais e comerciais de Portugal, não esquecendo o fundamental compromisso político assumido pela República Portuguesa para com todos os habitantes da região em 1987. 

Foi o compromisso de um quadro de 50 anos de sistema social e económico inalterado e a crença na boa-fé dos Estados português e chinês na assinatura da Declaração Conjunta Luso-Chinesa que mantiveram pessoas e empresas em Macau, atraindo outras ao longo dos anos, e suscitaram a renovação da amizade e dos laços entre Portugal e a atual Região Administrativa Especial de Macau desde então. 

Jamais colocando em causa a soberania da República Popular da China em relação a Macau, cremos no entanto no bom nome de Portugal, na boa-fé do país face ao compromissos que assina, e na importância para a sua reputação de que não esqueça Macau e se posicione de forma audível perante a violação persistente das garantias acordadas internacionalmente. Cremos também na responsabilidade de Portugal para com os seus cidadãos, sejam os nascidos em Portugal ou todos aqueles aos quais atribuiu nacionalidade portuguesa.

O compromisso entre Portugal e China quanto à “Questão de Macau” foi já lembrado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros português, na reação aos acontecimentos.

Vimos apelar para que tornem também audíveis as preocupações manifestadas a partir de Macau, zelem pelo cumprimento dos tratados que Portugal assinou e que a Assembleia da República aprovou, e condenem as violações perpetradas, agindo e fazendo agir no sentido da sua retificação. 

Apelamos ainda a que seja considerado o estabelecimento de um grupo de trabalho no seio da Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas para monitorização do cumprimento da Declaração Conjunta Luso-Chinesa, para funcionar até 20 de dezembro de 2049, produzindo avaliações regulares e públicas.

Primeiros signatários

Catarina Almeida, ex-jornalista do Jornal Tribuna de Macau
Catarina Vila Nova, ex-jornalista do Ponto Final (Macau)
Cláudia Aranda, jornalista freelancer do Ponto Final e colaboradora de outras publicações em Macau
Filipa Queiroz, jornalista, ex-jornalista da TDM e do Hoje Macau
Hélder Beja, jornalista, co-fundador e ex-director de programação do Festival Literário de Macau
Isabel Castro, ex-jornalista da Rádio Macau (TDM) e antiga directora do Ponto Final
Isadora de Ataíde Fonseca, professora universitária e ex-jornalista do Ponto Final
Joana Figueira, ex-jornalista do Ponto Final
João Figueira, professor universitário, jornalista, ex-chefe de redacção dos jornais Tribuna de Macau e Comércio de Macau
Luciana Leitão, ex-jornalista do Ponto Final
Maria Caetano, ex-jornalista da Rádio Macau e antiga directora do Ponto Final
Patrícia Silva Alves, ex-jornalista do Ponto Final
Sara Figueiredo Costa, jornalista freelancer, colaboradora do Ponto Final e de outras publicações
Sara Peres, ex-jornalista do Jornal Tribuna de Macau

Nota: Versão reduzida da carta assinada por 150 jornalistas portugueses e entregue hoje à Assembleia da República e respectivos grupos parlamentares; à Comissão de Negócios Estrangeiros e de Comunidades Portuguesas e à Comissão de Cultura e de Comunicação.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico​