Espanha, Alemanha, Itália e França suspendem administração de vacinas da AstraZeneca

Alemanha revela que foram detectados novos casos de possíveis efeitos secundários após a administração da vacina e suspende inoculação. Em sentido contrário, a Tailândia anunciou que vai começar a administrar a vacina da AstraZeneca na terça-feira.

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Rui Gaudêncio

A Espanha, França, Alemanha e Itália vão suspender a administração da vacina contra a covid-19 desenvolvida pela AstraZeneca e pela Universidade de Oxford, enquanto aguardam os resultados de uma avaliação da Agência Europeia de Medicamentos (EMA, na sigla inglesa), depois de terem sido reportados novos casos de formação de coágulos sanguíneos após a vacinação.

Esperava-se que o parecer da EMA fosse divulgado na terça-feira, conforme anunciou o Presidente francês, Emmanuel Macron. Porém, numa nota publicada no seu site, a EMA refere que o seu comité de segurança irá analisar as novas informações esta terça-feira e convocou uma reunião extraordinária para quinta-feira, data em que deverá divulgar as conclusões da análise aos dados recolhidos e discutir quaisquer medidas “que possam ser necessárias”.

“Enquanto a investigação está em andamento, a EMA mantém actualmente a posição de que os benefícios da vacina da AstraZeneca na prevenção da covid-19, e dos riscos associados [à doença] de hospitalização e morte, superam os riscos dos efeitos secundários”, sublinha ainda a agência europeia.

Espanha foi o país mais recente a anunciar a suspensão da administração da vacina contra a covid-19 desenvolvida pela AstraZeneca, pelo menos durante 15 dias, seguindo os passos de França, da Itália e da Alemanha. 

“Muitos parceiros europeus decidiram suspender a utilização da vacina da AstraZeneca. Há alguns minutos, foi a vez das autoridades alemãs. A Agência Europeia de Medicamentos vai pronunciar-se amanhã sobre a vacina e, até lá, o ministro da Saúde e as autoridades sanitárias decidiram suspender a vacinação com a AstraZeneca por precaução”, afirmou esta segunda-feira Macron, em conferência de imprensa, destacando que espera que a vacinação possa ser retomada rapidamente, caso as autoridades europeias assim o permitam.

A agência de medicamentos italiana AIFA revelou, por sua vez, que esta é uma “medida de precaução e temporária” e que aguarda recomendações da EMA, assim como a Alemanha.

Em comunicado citado pela agência Associated Press, o Ministério da Saúde alemão afirmou que a decisão foi tomada por “precaução”, em linha com as recomendações da agência reguladora Paul Ehrlich Institut, que pediu que os casos registados fossem investigados. O ministério destacou que caberá agora à EMA decidir “se e como a nova informação irá afectar a autorização da vacina”, tendo afirmado ainda que os casos reportados estão associados à formação de coágulos sanguíneos em veias cerebrais, embora sem revelar mais detalhes sobre onde ou quando os incidentes ocorreram.

Segundo o ministro da Saúde alemão, Jens Spahn, embora o risco de formação de coágulos seja baixo, não pode ser descartado. “Esta é uma decisão profissional, não política”, garantiu Spahn.

Estes países juntam-se a uma lista cada vez mais longa dos que decidiram suspender o uso da vacina, na sequência de notícias sobre possíveis efeitos secundários invulgarmente graves e inesperados, tais como a formação de coágulos sanguíneos, hemorragias e baixos níveis de plaquetas.

Por outro lado, Portugal decidiu continuar a administrar a vacina da AstraZeneca por “não haver prova” de estar ligada a maior risco de formação de coágulos sanguíneos, esclareceram neste domingo a Direcção-Geral da Saúde e o Infarmed.

Países Baixos registam dez incidentes após vacinação

Também a Dinamarca, Noruega, Irlanda, Islândia, Bulgária, Estónia, Lituânia, Letónia, Luxemburgo, Indonésia e os Países Baixos já interromperam o uso desta vacina. A Áustria suspendeu o uso de um lote em particular e as autoridades das regiões italianas de Piemonte e Sicília tinham já apreendido doses da vacina após a morte de pessoas vacinadas.

Nos Países Baixos, a organização responsável por detectar e reportar possíveis efeitos secundários disse esta segunda-feira que foram registados dez casos de incidentes, nomeadamente de trombose e embolia, após a administração da vacina da AstraZeneca. Num comunicado, o Centro Lareb de Farmacovigilância disse que, por precaução, a vacina não será usada até 29 de Março.

A decisão vai provocar atrasos na campanha de vacinação dos Países Baixos, que encomendaram 12 milhões de doses da multinacional com sede no Reino Unido. As autoridades de saúde tinham planeado administrar 290 mil doses de injecções da vacina da AstraZeneca nas próximas duas semanas.

A Indonésia, que recebeu este mês 1,1 milhões de doses da vacina da AstraZeneca através da plataforma Covax e deverá receber mais dez milhões de doses nos próximos dois meses, anunciou também esta segunda-feira que irá suspender a vacinação enquanto aguarda por um parecer da Organização Mundial de Saúde (OMS). “Para ser cautelosa, a agência reguladora do medicamento atrasou a implementação da vacina da AstraZeneca enquanto aguarda confirmação da OMS”, disse o ministro da Saúde da Indonésia, Budi Gunadi Sadikin.

Em sentido contrário, a Tailândia anunciou que, após a suspensão anunciada na semana passada, vai voltar a administrar a vacina a partir de terça-feira e os primeiros a recebê-la serão o primeiro-ministro e os seus ministros.

Alarme social

A suspensão da administração da vacina da AstraZeneca em vários países foi anunciada após o registo de possíveis efeitos secundários graves na Dinamarca e na Noruega.

Três profissionais de saúde noruegueses que receberam a vacina recentemente foram assistidos no hospital após a formação de coágulos no sangue (um dos três acabou por morrer esta segunda-feira) e uma mulher dinamarquesa, de 60 anos, morreu com os mesmos sintomas, que a Agência de Medicamentos da Dinamarca descreveu como “altamente invulgares”. Porém, não existem provas de uma ligação directa entre a vacina e os casos na Dinamarca e na Noruega.

“Não podemos deixar que subsistam dúvidas sobre a vacina”, disse o ministro da Saúde dos Países Baixos, Hugo de Jonge. “Temos de nos certificar de que tudo está em conformidade, por isso pensamos que o mais certo é suspender por agora”, acrescentou.

Universidade de Oxford e AstraZeneca asseguram que vacina é segura

A Universidade de Oxford assegurou, por sua vez, esta segunda-feira, que a vacina contra a covid-19 que desenvolveu em conjunto com a AstraZeneca é segura. Há “indicações muito tranquilizadoras de que não há aumento no fenómeno do coágulo sanguíneo aqui no Reino Unido, onde a maioria das doses na Europa foi administrada até agora”, disse à BBC Andrew Pollard, director do Oxford Vaccine Group, que desenvolveu a vacina.

O especialista frisou a importância de continuar a vacinação contra o novo coronavírus, que provoca uma doença que apresenta “enorme risco” para a saúde.

No domingo, a AstraZeneca também anunciou que, após uma análise da vacinação em mais de 17 milhões de pessoas inoculadas na União Europeia e no Reino Unido, não foi detectado um risco acrescido de formação de coágulos relacionado com a administração da sua vacina.

Já a OMS disse esta segunda-feira que o seu painel consultivo está a analisar os relatórios relacionados com a vacina da AstraZeneca, mas que não há, até ao momento, provas de que quaisquer problemas de saúde tenham sido causados pela injecção. “Assim que a OMS tiver um entendimento completo desses episódios, as descobertas e quaisquer mudanças improváveis às recomendações actuais serão imediatamente comunicadas ao público”, disse à Reuters o porta-voz da OMS, Christian Lindmeier.

“Até hoje, não há prova de que os incidentes tenham sido causados pela vacina e é importante que as campanhas de vacinação continuem para que possamos salvar vidas e travar o desenvolvimento de doença grave devido ao vírus”, acrescentou.

O director-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, reiterou, em conferência de imprensa, que é “prática comum” investigar os casos de eventuais efeitos secundários e que isso “mostra que os sistemas de vigilância [para analisar as vacinas] funcionam e que controlos eficazes estão em vigor”, embora não signifique “necessariamente que estes eventos estejam ligados à vacinação contra a covid-19”. “Estamos a rever os dados disponíveis com vários organismos oficiais, como a Agência Europeia do Medicamento”, disse, acrescentando que um painel da OMS planeia reunir-se esta terça-feira para discutir a administração da vacina.

“Nenhum medicamento é 100% seguro, mas há que ter em conta os benefícios de vacinar a população contra uma doença que sabemos que está a matar milhões de pessoas em todo o mundo”, disse ainda Soumya Swaminathan, directora científica da OMS, reafirmando que não foi encontrada, até agora, “nenhuma relação entre a vacina e os casos de trombose detectados”. “Não queremos que as pessoas entrem em pânico”, concluiu.

No mesmo sentido, também a EMA afirmou anteriormente que não há indicação de que os eventos registados tenham sido causados pela vacinação e que o número de casos reportados de formação de coágulos sanguíneos entre as pessoas vacinadas não é superior ao registado na população em geral.

O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, juntou-se às vozes defensoras da utilização da vacina, tendo afirmado nesta segunda-feira que o seu Governo está muito confiante acerca do seu uso para impulsionar a campanha de vacinação no país. Boris Johnson assegurou ainda que a vacina é segura, destacando que o MHRA  (agência reguladora de medicamentos britânica), “um dos reguladores mais rigorosos e experientes do mundo”, não encontrou “nenhuma razão para interromper o programa de vacinação”.

Também o ministro da Saúde polaco defendeu, nesta segunda-feira, que os benefícios da vacina da AstraZeneca são superiores aos riscos. “Neste momento, ainda acreditamos que os benefícios da vacinação em termos de segurança pública são muito maiores do que os possíveis riscos da toma da vacina da AstraZeneca”, disse Adam Niedzielski.

No Canadá, o primeiro-ministro Justin Trudeau assegurou que os especialistas em saúde canadianos estão confiantes de que todas as vacinas contra a covid-19 que estão a ser administradas no país são seguras e eficazes, incluindo as da AstraZeneca, embora tenha destacado que as autoridades estão “obviamente” atentas ao “que está a acontecer com um lote específico na Europa”.

Os resultados dos ensaios clínicos da vacina da AstraZeneca, que envolveram 30 mil pessoas, estão actualmente a ser analisados nos Estados Unidos por painéis independentes, de forma a averiguar se a vacina é realmente segura e eficaz. Segundo Francis Collins, director do Instituto Nacional de Saúde, caso os dados sejam favoráveis, a agência reguladora do medicamento norte-americana (Food and Drug Administration) poderá emitir uma autorização para uso de emergência no próximo mês.

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