Cooperação: utopia ou realidade?

Os estudiosos das ciências políticas que descrevem os efeitos das crises financeiras demonstram uma primeira viragem à esquerda logo após a crise, com uma gradual viragem para a direita, quando os efeitos não são rápidos o suficiente para diminuir o impacto na população.

Hoje podia escrever sobre o papel das mulheres no Mundo e o quanto ainda falta fazer (mesmo em Portugal) para garantir a participação de toda a população na construção de um Mundo melhor e, assim, ganhar uma perspetiva inovadora. Não precisaria, sequer, de ser “fora da caixa”, no sentido em que estamos todos na mesma caixa, bastaria encorajar e escutar todas as vozes. Podia escrever sobre as dificuldades que em pleno século XXI as mulheres ainda sentem para se exprimirem ou serem levadas a sério, mas muito há ainda a fazer quanto ao acesso às mesmas condições para construir conhecimento.

Podia, mas não vou escrever sobre nada disso. Não porque não mereçam a reflexão e, principalmente a ação, mas porque os exemplos são igualmente necessários para que todas as mulheres que assim o desejem, possam ter como referencial e se inspirem a explorar todo o seu potencial e contribuir em pé de igualdade para um Mundo melhor e mais justo para todos.

Enquanto mulher, mãe, psicóloga, pensadora e pragmática, decidi ser a mudança que quero ver no Mundo e hoje, mais que em qualquer outro dia, procuro ser o exemplo que todas precisamos para sentir que a jornada vale a pena.

O tema que trago pode ser encarado como “coisa de mulher” ou mesmo como algo utópico; no entanto, é tido como a principal contribuição da liderança feminina na economia e em processos de paz. Escrevo sobre Cooperação Mundial, o seu papel para sair da crise pandémica e para evitar a crise que se teme de seguida.

Na semana passada, o primeiro-ministro António Costa afirmou numa entrevista que esta crise é o maior atestado de falhanço das visões neo-liberais. Fiel aos ideais europeus de cooperação, da perspetiva idealista da diplomacia internacional, o nosso primeiro-ministro procura alertar para a falácia da competição internacional, em que o “cada um por si” resulta em países fechados sobre si mesmos e, mais cedo ou mais tarde, leva a uma estagnação do desenvolvimento, já que o mesmo só é inteiramente alcançado quando se juntam os contributos de várias perspetivas.

A política não pode ser inteiramente de esquerda ou de direita, mas um exercício de pluralismo com o contributo de todas as perspetivas num diálogo político diverso, inclusivo e intelectualmente honesto. Enquanto portugueses, esta é a maior riqueza que possuímos: a capacidade de integrar as diversas perspetivas e vivências de todos os que são habitados pelo sentimento de “ser português”.

Os estudiosos das ciências políticas que descrevem os efeitos das crises financeiras demonstram uma primeira viragem à esquerda logo após a crise, com uma gradual viragem para a direita, quando os efeitos não são rápidos o suficiente para diminuir o impacto na população. Num primeiro momento, Portugal virou-se para uma ideologia socialista e aceitou a geringonça; no entanto, esta crise pandémica levou a um retrocesso nas melhorias de vida que se verificavam, aumentando a ansiedade na sociedade.

De salientar que para o Fórum Mundial Económico, no seu relatório anual de riscos, um dos principais apontados é o de uma crise social (fruto da crise financeira e da desilusão dos jovens). A cooperação, portanto, tem de começar de dentro para fora. Unir esforços de várias áreas de conhecimento e experiência para minimizar o impacto e unir a população em torno do bem comum, acima da identidade ou história de um povo. A consulta pública do Plano de Recuperação e Resiliência e os 1600 contributos para a sua melhoria são disso um forte exemplo e uma manifestação da sua necessidade para uma sociedade inclusiva, participativa, com sentimento de pertença e agência sobre os seus destinos, dentro dos ideais democráticos.

A União Europeia assenta o programa Horizonte Europa no seu principal valor, aquilo para que foi criada, para prevenir futuras situações de crise, na sua missão – a cooperação. É um programa que visa a cooperação científica em simbiose com a indústria, para uma maior tradução do desenvolvimento científico na melhoria de condições e qualidade de vida. Para tal, é fundamental a cooperação internacional na criação de carreiras de investigação verdadeiramente europeias, de circulação livre e balançada entre Institutos de diferentes Estados-Membros, que facilitem o estabelecimento de consórcios europeus.

Os países vizinhos (de Portugal e da União Europeia) também podem desempenhar um papel crucial para uma maior justiça social e consequente paz sustentável, com o estabelecimento de parcerias que promovam o desenvolvimento e aplicação da inovação produzida em cooperação. As sinergias parecem revestir-se ainda de maior significância, quando perspetivadas numa abordagem abrangente, em que se verifica assumirem um papel preponderante para o processo de democratização.

Por tudo isto, é fundamental trabalhar para um aumento da cooperação internacional, cultivando os mesmos valores dentro de fronteiras. Portugal será um dos países (se não o país) com maior experiência diplomática a encontrar consensos e convergências para o estabelecimento de relações simbióticas, que beneficiam não só as partes, mas o todo. Vamos colocar o nosso potencial máximo ao serviço dos ideais nacionais e europeus, pois são convergentes, e mais do que tolerar, vamos cooperar na diversidade que sempre tivemos na nossa sociedade e que sempre nos enriqueceu.

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