Onde está a Resiliência Sísmica no PRR?

Falar em resiliência em Portugal e não falar de sismos é algo impensável. Porém, nas 145 páginas do plano a palavra sismo não é uma só vez mencionada. Não estão elencadas nenhumas medidas no que toca a resiliência sísmica do país.

À medida que o País se prepara para realizar um dos maiores pacotes de investimento público do período democrático, o mesmo que contemplará um compromisso desta e das próximas gerações, olhamos para o país como quem visita Veneza e não vê a água.

Falar em resiliência em Portugal e não falar de sismos é algo impensável. Porém, nas 145 páginas do plano a palavra sismo não é uma só vez mencionada. Não estão elencadas nenhumas medidas no que toca a resiliência sísmica do país.

Ao longo de 2020 e 2021 pudemos testemunhar a fragilidade do SNS tanto em recursos humanos como em equipamentos. Todos pudemos ver as ambulâncias a se acumularem na entrada de hospitais como o Santa Maria e o Garcia de Horta. Façamos o seguinte exercício:

Vamos imaginar que houve um sismo e por isso, por exemplo, o Santa Maria não está operacional… Para onde iriam as ambulâncias? Para onde iriam os sinistrados do novo sismo de Lisboa? Infelizmente, somente o Hospital da Luz dispõe de um sistema de isolamento sísmico que garante a operacionalidade do edifício no imediato após um sismo. A experiência diz que 97% das casualidades de um sismo ocorrem nos 30 minutos após o sismo. O que iremos fazer aquando do sismo? Poderá o Estado falhar à população neste momento? De acordo com a experiência internacional, o custo adicional de um edifício resistente aos sismos é de somente 4% do valor da estrutura, sendo que nos hospitais, devido ao elevado custo dos seus equipamentos, este valor é bastante inferior. Por exemplo, no caso do Hospital da Luz este valor foi de 0,8% do total de investimento! Por este motivo, em países como Itália, Turquia, Grécia já não se constroem hospitais sem dispositivos de isolamento sísmico. Esperamos que o governo se lembre desta fragilidade tão importante na revisão do PRR.

Deveríamos também aproveitar estas verbas para a aquisição de sistemas de alerta que já provaram o seu valor nos sismos do Japão (Tohoku 2011) e da Cidade do México (2017). Milhares de pessoas sobreviveram graças a um aviso, que em apenas meros segundos permitiram as mesmas resguardarem-se e procurar abrigo. Estes sistemas de alerta permitem também aos decisores bloquearem infraestruturas como túneis, metro, pontes e também aos cirurgiões, não iniciar uma incisão durante uma operação cirúrgica.

O PRR prevê centenas de milhões de euros para a habitação e uma boa parte deste valor será a fundo perdido. Não será esta uma boa oportunidade para indexar os apoios, à utilização de elementos e tecnologias que garantam que os edifícios possam voltar a ser ocupados após a ocorrência de um sismo? Seria também sensato criar bonificações para projetos que pudessem oferecer uma maior segurança aos seus ocupantes.

Creio que não deveremos ignorar também o estado do parque habitacional em termos de resiliência sísmica, pois muito do edificado é anterior ao código de 1983. o que torna estes edifícios extremamente vulneráveis aos fenómenos sísmicos. Existem também por toda a grande Lisboa, e não só, uma vasta quantidade de edifícios com pisos vazados, que apresentam vulnerabilidades extremas e que podem ser corrigidas com custos reduzidos e sem grandes perturbações dos ocupantes. A título de exemplo, a cidade de São Francisco quer reabilitar ou demolir, se necessário, todos estes edifícios até 2035 por forma a minimizar as possíveis vítimas de um sismo de elevada magnitude. Porque não seguirmos o exemplo da Itália que aprendeu que reabilitar é mais barato que reconstruir e criou uma comparticipação do Estado para a reabilitação sísmica dos edifícios?

O mesmo ocorre relativamente às instalações industriais. Com pequenas intervenções, sem grandes perturbações de funcionamento, podemos garantir a segurança das instalações, proteger os trabalhadores e manter a competitividade das nossas empresas. Não tenhamos ilusão, quando um sismo ocorrer irá haver sempre algum concorrente internacional pronto a ocupar o lugar da empresa portuguesa, que por estar fechada ou inoperacional não consegue satisfazer os seus clientes. Não conseguiremos atingir o nível de desenvolvimento que todos nós queremos para Portugal com as empresas e os empresários ajoelhados perante as consequências de um evento que todos nós sabemos que virá, só não sabemos quando.

Importa realçar que o impacto de um sismo de uma magnitude média ou elevada varia de acordo com o cenário, com perdas económicas entre uma a várias vezes o valor do nosso PIB. Ignorar este facto é algo que os nossos decisores não poderão fazer.

Portugal é um país inovador. Assim o fomos em 1755, após o sismo de Lisboa, com uma abordagem científica ao sismo e não teológica, com métodos construtivos inovadores e com uma abordagem moderna ao planeamento urbano. Mais de 265 anos passaram e até hoje percorremos a baixa de Lisboa e permanecem vivas as memórias daquele dia que mudou a história do nosso país, bem como do exemplo de resiliência dado pelos nossos antepassados. Ao contrário de 1755, nós sabemos da inevitabilidade dos sismos e sabemos que ele irá ocorrer. Não deveríamos nós preparar-nos para tal?

Justiça seja feita ao actual governo, este revogou os códigos construtivos existentes e pela primeira vez impôs a necessidade de uma certificação sísmica dos novos edifícios aos projectos de reabilitação. Espero que este governo retome o bom caminho que começou a traçar e que prepare o país para enfrentar os fenómenos sísmicos com determinação e de frente e que evite que no dia em que nos vejamos confrontados com um sismo de grande magnitude estejamos prostrados de mão estendida e a lamentar não termos aproveitado esta oportunidade.

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