Retoma nos hospitais vai implicar horas extraordinárias

Previsões da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares voltam a indicar uma diminuição do número de camas e de profissionais necessários para responder à covid-19. Se não houver surpresas, na 3.ª semana de Março podem atingir-se os números que darão início ao processo de desconfinamento

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As previsões apontam para que sejam necessárias cada vez menos camas dedicadas aos doentes com covid-19 Manuel Roberto

Seja qual for o cenário (melhor ou pior), a perspectiva continua a ser animadora: o número de doentes internados nos hospitais com covid-19 deve continuar a descer nos próximos dias, e daqui a uma semana, a 5 de Março, deverá cifrar-se entre os 1995 e 2102 internados. Nas unidades de cuidados intensivos (UCI) também se prevê uma quebra, mas ainda estaremos longe dos cerca de 200 internados com covid-19 em UCI que tem sido apontado como o número seguro para se começar a falar em desconfinamento. A previsão é que tenhamos entre 402 a 413 doentes a necessitar de ventilação mecânica no final da próxima semana.

As estimativas são da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), que, com base numa nova ferramenta concebida em Portugal e que já foi adoptada pela Organização Mundial de Saúde, tem vindo a actualizar semanalmente um conjunto de previsões relacionadas com a necessidade de camas e de profissionais para dar resposta à pandemia. Olhando para os resultados mais recentes, o presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI), João Araújo Correia, salienta: “Não há dúvida de que os números, de uma forma um pouco surpreendente, estão a baixar mais rapidamente do que seria expectável, mas olhando para esta previsão - que não tem falhado muito -, é bom que tenhamos a noção que estas boas notícias correspondem quase ao pico de incidência da 1.ª vaga.”

Ou seja, as notícias são boas, mas há que refrear o entusiasmo. João Araújo Correia lembra que “quando estávamos muito atrapalhados na 1ª vaga”, os internamentos em UCI rondavam as 500 camas. Também é verdade que os hospitais, entretanto, se reorganizaram e a capacidade de resposta à doença aumentou, mas à custa do tratamento de outros doentes que não têm covid-19.

Será esta, então, a altura para voltar a investir nas consultas, exames e tratamentos de doentes que não têm covid e que viram o seu acompanhamento habitual adiado? “Os hospitais não são todos iguais, mas julgo que nesta altura já é possível retomar parte da actividade cirúrgica. Agora, temos de ter noção da enormidade que é o atraso destes meses todos, quer em termos de exames subsidiários, de cirurgias ou consultas. Parece-me que para haver alguma recuperação terá de haver actividade adicional, o que necessita, superiormente de autorização ou até de incentivos”, diz João Araújo Correia. 

E isto implica, sobretudo, horas extraordinárias. O que o presidente da SPMI lembra é que muitos médicos e enfermeiros trabalham, em simultâneo no SNS e no sistema privado, pelo que a possibilidade de terem disponibilidade para esse trabalho adicional pode estar comprometida. “Isto coloca-nos perante a questão da dedicação exclusiva ao público ou ao privado. No meu entender, não devia ser obrigatória, mas tendencialmente deveria ser assim, e ser incentivada. É uma discussão antiga, mas importante e que vale a pena ter”, defende.

Quebra de 30% nos internamentos

Depois de os dados da semana passada terem apontado para uma quebra de cerca de 40% dos doentes a necessitarem de internamento por causa da covid-19, os desta semana são um pouco mais baixos, mas, ainda assim, também apontam para uma sólida quebra na ordem dos 30%. O também médico do Hospital de Santo António (do Centro Hospitalar Universitário do Porto) diz que está optimista quanto à continuação de redução de casos e consequente número de internamentos, mas alerta que há variáveis a ter em conta que podem mudar esse cenário.

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Desde logo, o rastreamento sistemático, que começou esta semana, e que vai abranger também as pessoas que estão internadas nos hospitais públicos - o que não acontecia em todos até agora. Isto pode levar a que sejam encontrados novos casos entre doentes que estariam internados por outra razão, o que levará à sua transferência para as áreas covid. Junta-se a isto o facto de a vacinação estar a decorrer de forma mais lenta do que a desejada, por causa de problemas relacionados com o fornecimento de vacinas, e as novas variantes, “que infectam mais do que as outras”. “Não sei se estes factores nos vão trazer más surpresas, mas estou convencido que a incidência vai continuar a descer e que na 3.ª semana chegaremos aos números de mil internados em enfermaria e 200 em UCI”, afirma.

E, nessa altura, diz, mesmo com todas as cautelas, já se poderia começar a falar em desconfinamento, segundo o presidente da SPMI: “Era bom até para a saúde mental de todos e para um certo bem-estar psicológico, que pudessem abrir as creches, e talvez o 1.º ciclo, e também os cabeleireiros e barbeiros.”

As previsões da APAH também se debruçam sobre a necessidade de pessoal técnico para responder à covid-19 e as perspectivas melhoraram no que diz respeito à necessidade de profissionais nos hospitais (médicos, enfermeiros e auxiliares) e de rastreadores.

As estimativas da semana passada indicavam que seriam necessários entre 3140 e 3433 profissionais de saúde pública para responder a tudo o que se relaciona com a identificação e acompanhamento da doença (inquéritos epidemiológicos, 1.º contacto para vigilância activa e contactos subsequentes). Os dados mais recentes indicam que, no final da próxima semana, o número de rastreadores  necessários se situará entre os 2223 e os 2449. É mais uma descida, mas que nos deixa perceber que, apesar disso, ainda estaremos longe de ser capazes de suprir esta necessidade, já que os últimos dados apontavam para a existência de cerca de mil pessoas dedicadas a esta área. 

Entre os restantes profissionais analisados, as previsões são que, daqui a uma semana, sejam necessários entre 577 e 604 médicos dedicados à covid-19; entre 3902 e 4099 enfermeiros; e entre 1537 e 1609 assistentes operacionais. João Araújo Correia diz acreditar que as necessidades, a este nível, foram sendo supridas, em parte, graças à paragem da actividade hospitalar não relacionada com a covid, o que levou a que técnicos ou enfermeiros fossem “desviados” para estes serviços. Junta-se a isto as boas notícias relacionadas com o surgimento de novos casos entre os profissionais de saúde, depois da vacinação. 

Se, em meados de Janeiro, havia cerca de 10.600 profissionais de saúde impedidos de trabalhar por estarem infectados com covid-19, dados divulgados esta sexta-feira pelo Expresso davam conta que no Hospital de S. João não houve qualquer novo caso de infecção entre o pessoal que foi vacinado contra a covid-19. João Araújo Correia diz que não é caso único. “No [Hospital de] Santo António também não tenho conhecimento de qualquer novo caso. Aí está um milagre. Era um problema que tínhamos, quase todas as semanas parecia um tiro no porta-aviões, estávamos sempre a perder gente que ficava doente. Depois da vacinação já não houve mais casos e suponho que o mesmo acontecerá no resto do país”, diz.

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