Pelo fim da pobreza menstrual, para bem de todos nós

Sem produtos de higiene íntima feminina, serão sempre demais as mulheres e adolescentes confinadas, impossibilitadas de estudar e/ou trabalhar com o óbvio impacto social, educacional e económico.

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A pobreza menstrual afecta directamente milhões de mulheres e raparigas obrigadas a viver na escassez de produtos de higiene entre o preconceito, os preços proibitivos ou a falta de acesso a água e saneamento. Sem alternativas, serão sempre demais as mulheres e jovens a recorrer a tudo quanto esteja ao alcance das mãos para absorver o sangue menstrual, desde jornais a panos, desde toalhas a papel higiénico, passando por fronhas, meias, t-shirts, pedaços de cartão ou usando repetidamente os mesmos pensos e tampões só para enumerar alguns dos exemplos. 

Nestes casos, as infecções vaginais ou urinárias são tão inevitáveis como recorrentes. Infelizmente, insuficiências renais, infertilidade ou morte por choque séptico não são descartáveis, tudo consequências evitáveis conquanto uma mulher tenha acesso a produtos de higiene. E sem estes produtos, serão sempre demais as mulheres e adolescentes confinadas, impossibilitadas de estudar e/ou trabalhar com o óbvio impacto social, educacional e económico.

Tal como refere Carla Isidoro na revista Visão, o penso higiénico e o tampão são, deste modo, libertadores. Sem os mesmos, condenamos metade da humanidade a viver a realidade das nossas ancestrais, mês após mês, enquanto se limitam movimentos, envergonhando e infectando a vida de todas as mulheres que algum dia viveram. Carla Isidoro sublinha: não é exequível nem aceitável forçar a mulher do hoje e amanhã às quatro paredes de uma casa for falta de produtos de higiene feminina, mais o impacto directo na auto-estima e no aumento das desigualdades sociais. 

De modo a combater este fenómeno, em Inglaterra uma estudante de 20 anos, de seu nome Ella Lambert, criou em Julho de 2020 o The Pachamama Project. Com o objectivo de disponibilizar produtos de higiene íntima a refugiados, Ella criou uma rede de 150 voluntários, responsáveis até à data pelo fabrico de perto de 2500 kits de pensos higiénicos reutilizáveis, pensos esses enviados para as mulheres nos campos de refugiados da Grécia e Líbano. Através deste projecto, cada mulher recebe um kit com quatro pensos higiénicos, que podem ser lavados e reutilizados por um período de cinco anos. 

Felizmente, Ella não está só. Na Índia, a Eco Femme, empresa social criada e gerida por mulheres, dedica-se à promoção de práticas menstruais saudáveis e ambientalmente sustentáveis através do fabrico de pensos de flanela de algodão orgânico, algodão esse lavável, menos irritante e com um risco reduzido de infecção. Com cada penso passível de ser lavado até 75 vezes, os benefícios ambientais e económicos são imediatos. 

O mesmo modelo é seguido por organizações não-governamentais da África do Sul ao Reino Unido e onde Portugal não é excepção. Veja-se o exemplo da associação Corações com Coroa no fabrico de artigos reutilizáveis de higiene feminina para a Guiné-Bissau, país onde é comum as raparigas faltarem à escola quando menstruadas. 

Se em África o estigma associado ao período leva ao abandono escolar de uma em dez alunas, já no Reino Unido os números apontam para a perda de pelo menos um dia de aulas para dois terços das raparigas em idade escolar. Consequência directa da pandemia, o desemprego, o aumento dos preços ou a pura e simples escassez de produtos no mercado são tudo factores passíveis de levar à pobreza menstrual. Com menos recursos e a vida diminuída e limitada, a higiene feminina deixa de ser uma prioridade. 

Fica a pergunta: e em Portugal, que números temos? E estudos? Será Portugal uma feliz excepção? Ou antes vítima de uma pobreza envergonhada? E quanto aos estudos, onde estão, para começar, as estatísticas das escolas para que nos debrucemos sobre a realidade dentro de portas? E não, não basta oferecer produtos, como no feliz exemplo escocês. É preciso falar sobre o período em casa, nas escolas, nos locais de trabalho, na vida e admitir o período, reconhecer o período ao invés de sussurros ao ouvido sobre “aquela altura do mês” ou “a maré vermelha”. 

Entre a vergonha de tratar o período pelo nome e o desconforto de falar sobre o período com a professora, com os namorados, com os pais ou os colegas do trabalho, a literacia menstrual é tão premente como os produtos de higiene íntima. Neste contexto, Pachamama não é apenas o nome da deusa Inca da fertilidade, Pachamama é o epíteto da sororidade e da entreajuda, de mulheres para mulheres. 

Pelo fim da pobreza menstrual. Pelo fim do preconceito. Para bem de todas as mulheres e raparigas. Para bem de todos nós.

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