Alfredo Quintana (1988-2021), um exemplo de determinação

Guarda-redes do FC Porto e de Portugal não resistiu a uma paragem cardiorrespiratória, depois de quatro dias de internamento.

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O andebol português sofreu nesta sexta-feira uma derrota inultrapassável. Alfredo Quintana, guarda-redes do FC Porto e da selecção nacional, não resistiu à paragem cardiorrespiratória de que foi vítima há quatro dias e morreu no Hospital de São João, no Porto. Aos 32 anos, desaparece, precocemente, uma das grandes figuras e um dos alicerces do sucesso recente da modalidade em Portugal.

A viagem de Alfredo Eduardo Quintana Bravo para Portugal consumou-se em Março de 2011. Não desertou de Cuba, como aconteceu com um amigo próximo, mas adoptou uma posição de força para correr atrás do sonho de jogar na Europa. Um sonho tornado possível precisamente porque um colega o recomendou ao FC Porto quando soube que o clube procurava um guarda-redes.

A presença no Campeonato Pan-Americano disputado no Chile, em 2010, serviu como atestado de competência. Um representante dos “dragões” viajou para Santiago para o observar ao serviço da selecção cubana e deixou-se convencer. Quintana tinha 21 anos, a vontade de assumir outros desafios e a coragem de derrubar os obstáculos que surgissem no caminho.

Quando comunicou à federação cubana a intenção de se desvincular e de deixar o país, produziram-se ondas de choque. “Foi como uma bomba”, contava, em Junho de 2020, ao canal de youtube El Camerino. Não queriam deixá-lo sair, mas como já tinha contrato com o FC Porto, casa e seguro em Portugal, a pressão foi subindo. Mas acabou por ser o pai, com uma ampla carteira de contactos no universo desportivo, a convencer as altas esferas.

Essa rede de influência teve por base o percurso do pai de Alfredo no voleibol cubano. Foi internacional pelo país, mas nunca conseguiu convencer o filho a seguir-lhe as pisadas. Chegou a jogar voleibol informalmente e basquetebol de forma mais séria, participando nalguns torneios, mas quando o treinador da altura partiu para outro projecto, também Quintana decidiu experimentar uma nova modalidade. “Os movimentos, a coordenação, foi tudo muito rápido e natural e acabei por ficar”, recordava.

Inicialmente, foi como jogador de campo que começou a evoluir, até que o destino lhe trocou as voltas. “Houve um treino em que não tínhamos guarda-redes e eu disse logo: Eu vou para a baliza. Foi assim mesmo”. Foi assim tão simples. Um obstáculo de 2,01m, com uma agilidade fora do comum, reflexos felinos e uma mentalidade ganhadora. Estavam lançadas as bases para um atleta de topo.

A adaptação a Portugal implicou as agruras naturais decorrentes de uma mudança brusca. “Demasiados meses de frio”, o treino “completamente diferente” do que fazia em Cuba, o idioma. Nada que mais uma peça de roupa, trabalho acrescido e alguns companheiros de plantel, que falavam espanhol, não ajudassem a desbloquear.

Aculturou-se tão rapidamente que fez do Porto a nova casa, foi cativando colegas e adversários, convencendo treinadores e seleccionadores. A naturalização acabou, por isso, por ser um passo tão natural como as defesas que somava. “Sabia a responsabilidade que tinha quando vesti pela primeira vez a camisola da selecção deste país, que me recebeu como um filho. Aqui no Porto toda a gente me conhece e se dá muito bem comigo e tenho de agradecer a Portugal por isso”, sublinhava ao El Camerino.

Por isso, por causa dessa dívida de gratidão, sempre assumiu que só deixaria o FC Porto para representar um colosso europeu, na melhor Liga do mundo. E embora admitisse sem rodeios a aberta rivalidade que existe com os outros candidatos ao título em Portugal, explicava que a relação com alguns jogadores foi mudando, por força das circunstâncias. “Quando comecei a ir à selecção e a defender a mesma camisola que os meus colegas do Sporting e do Benfica, não é que a rivalidade tenha diminuído, mas digamos que ficava no fundo da piscina”.

Quando lhe perguntavam qual era o segredo para as exibições tremendas que foi acumulando ao longo da carreira, e que contribuíram para vários títulos do FC Porto e para a brilhante caminhada de Portugal nos mais recentes Campeonatos da Europa e do Mundo, a resposta era simples: “A primeira coisa que temos de ter é determinação. Se há um momento no jogo em que a bola não pode entrar, em que a equipa precisa desse impulso, temos de estar prontos para responder”.

Quintana estava sempre preparado para responder. Em campo e fora dele. E quando a oportunidade de vir para Portugal (onde deixa a mulher e uma filha com menos de dois anos) surgiu no horizonte, ainda era ele um jovem cheio de ilusões, não hesitou: “Foi a melhor decisão que tomei na minha vida”.

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