Menor pressão da covid-19 permite aos hospitais retomar consultas e cirurgias adiadas

A diminuição da procura dos serviços de urgência e do número de doentes internados está a permitir aos hospitais retomar ou planear a retoma das cirurgias adiadas.

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Manuel Roberto

À medida que os internamentos de doentes com covid-19 começam a diminuir e a pressão nos serviços de urgência também desce, alguns hospitais de norte a sul começaram já a retomar ou a programar a retoma das cirurgias adiadas e da actividade assistencial. 

É o caso do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, o maior hospital do país, que retomou esta semana as cirurgias a doentes prioritários. Ao PÚBLICO um porta-voz do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN, que integra o Hospital de Santa Maria) explica que foi iniciada “já esta semana a regressão do plano de contingência covid no que se refere ao internamento em enfermaria, em virtude do decréscimo sustentável das necessidades de internamento”.

“Há cerca de dez dias o CHULN ultrapassou os 400 doentes internados. Esta semana, a redução de necessidades permitiu reduzir cerca de 50 camas de ‘internamento covid’, reactivando-as na vertente ‘internamento não-covid’ médico e cirúrgico. Na próxima semana, se esta tendência se mantiver, podemos reconverter mais 50”, adianta o centro hospitalar.

A mesma fonte refere que “a actividade cirúrgica retomou esta semana a cirurgia prioritária, esperando-se que daqui a alguns dias se reactive a cirurgia do ambulatório, cujos recursos ainda estão temporariamente afectos a outras áreas assistenciais”. O objectivo é que “o impacto ao nível da acessibilidade aos cuidados cirúrgicos, decorrente da mobilização de estruturas e meios humanos para reforçar o ‘plano assistencial covid’, seja mínimo”. O CHULN espera ainda que “a curto prazo existam condições para retomar a actividade cirúrgica em blocos de hospitais privados pelos cirurgiões, enquanto não possam desenvolver essa actividade no centro hospitalar.

Porém, o CHULN admite que, “ao nível dos cuidados intensivos, as necessidades ainda se mantêm a níveis muito elevados (96%), pelos que as nove unidades de cuidados intensivos em funcionamento, das quais cinco ocupam blocos operatórios, recobros e enfermarias, se irão manter durante mais algum tempo”.

O Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (CHLO) revela, por sua vez, que “já iniciou a actividade cirúrgica” nos hospitais Egas Moniz e Santa Cruz, embora “ainda em pequeno volume, por necessidade de profissionais que ainda se encontram a trabalhar em ‘zonas covid’”. Segundo fonte do gabinete de comunicação do CHLO, a pressão no que diz respeito ao internamento de novos doentes com covid-19 “é menor”, mas “mantém-se pressão dentro do internamento por doentes que ainda estão internados” desde o pico da pandemia.

Libertar espaços e profissionais

Também o Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ), no Porto, tem “restabelecido a actividade para ‘doentes não-covid-19’ (nas áreas clínicas e cirúrgicas), sendo certo que a consulta externa, o hospital de dia e a cirurgia de ambulatório mantiveram uma actividade próxima da expectável, de forma a não penalizar os doentes”, refere o porta-voz do hospital ao PÚBLICO.

A mesma fonte explica que, “ao contrário da primeira vaga, há um ano, em que a actividade foi toda suspensa”, nestas segundas e terceiras vagas da pandemia o São João foi capaz “de assegurar uma resposta robusta e competente aos ‘doentes não-covid-19’, que sempre foram uma preocupação do hospital”. “Esta aprendizagem e um planeamento adequado permitiram que durante o Verão de 2020 nos preparássemos de forma adequada, garantindo desta forma cuidados de saúde aos doentes, de acordo com a gravidade das patologias, procurando, com antecipação e organização, estar sempre um passo à frente da pandemia”, concluiu fonte do CHUSJ, que conta actualmente com 62 doentes com covid-19 internados, 42 dos quais em cuidados intensivos.

No Hospital de Braga também se está a “libertar espaços e profissionais para recuperar consultas e a actividade cirúrgica convencional”, sendo este agora o “principal foco”, segundo admitiu à agência Lusa o presidente do conselho de administração do hospital, João Porfírio Oliveira. O Hospital de Braga tem actualmente 75 doentes com covid-19 internados (43 em enfermaria e 32 nos cuidados intensivos), um número que fica “bem longe” dos 190 doentes que se encontravam hospitalizados há três semanas e que permite planear a recuperação das consultas e cirurgias.

Já o Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa (CHTS) “tem vindo, sempre que surgem janelas de oportunidade decorrentes de alguma diminuição de pressão no tratamento de ‘doentes covid’, a promover imediatas adaptações para retoma de actividade que vise o tratamento de ‘doentes não-covid’”, refere o Conselho de Administração do CHTS em resposta ao PÚBLICO. “Neste momento, e porque se notou uma franca diminuição de ‘doentes covid’ internados — neste momento são somente 38, quando no pico da afluência em Outubro chegaram a ser 235 —, está já em curso uma nova aceleração desse processo de retoma, em ambos os hospitais do CHTS, seja no Hospital Padre Américo, em Penafiel, quer no Hospital São Gonçalo, em Amarante”, afirma.

O Conselho de Administração do CHTS destaca as “transformações ocorridas ao longo deste período de pandemia” e o ajuste das “respostas às necessidades”, salientando que o Hospital São Gonçalo, em Amarante, que não tratou doentes com covid-19 durante a primeira vaga da pandemia, “em Outubro/Novembro, na altura do grande tsunami de doentes covid, passou a ter somente internados doentes com esta tipologia e agora já está novamente sem doentes covid internados, sendo o Hospital Padre Américo, em Penafiel, o local de internamento actual de 38 doentes”. Nos cuidados intensivos, acrescenta, também “se deu uma redução muito expressiva, restando actualmente somente seis doentes internados” — ao longo destes meses, o CHTS teve um mínimo de dois doentes com covid-19 em cuidados intensivos e um máximo de 19 (quando promoveu “a maximização da utilização da capacidade”).

O CHTS salienta ainda que, “apesar do clima de grande dificuldade por que passou em 2020, com vagas muito intensas e concentradas de doentes covid, conseguiu diminuir, como tinha planeado, o tempo máximo de espera para consultas e cirurgias relativamente ao ano anterior. “Em 2019 o tempo máximo de espera era de 12 meses (quer para consulta, quer para cirurgia) e em 2020 ficou nos 9 meses em ambas as situações, excepto para alguns casos de cirurgia de ortopedia que ainda têm prazo superior aos 9 meses”, refere, acrescentando que “ao longo de 2019 ainda subsistiam algumas situações de listas de espera para consulta superiores a três anos (nomeadamente pneumologia e cardiologia), pelo que as recuperações nos últimos anos têm sido muito assinaláveis”.

O Centro Hospitalar do Oeste, que integra os hospitais de Caldas da Rainha, Torres Vedras e Peniche, estima retomar em Março as consultas e cirurgias não programadas, tendo já começado a reduzir as enfermarias destinadas a doentes com covid-19 face a uma diminuição da procura da urgência. À Lusa Elsa Baião, administradora do CHO, admitiu que “ainda há um grande número de profissionais afectos às ‘áreas covid’” nos hospitais de Torres Vedras e Caldas da Rainha.

Desde o dia 10 de Fevereiro que o Centro Hospitalar do Oeste regista uma diminuição dos internamentos de doentes com covid-19, assim como uma menor procura da urgência. “Já desactivámos 13 ‘camas covid’ e estamos a fazer uma avaliação dia a dia para ir desmantelando outras, mas temos de ser cautelosos, porque ainda existe instabilidade”, afirmou Elsa Baião.

O Centro Hospitalar e Universitário do Algarve (CHUA) — do qual fazem parte os hospitais de Faro, Portimão e Lagos —, também começou esta semana a retomar a actividade cirúrgica programada e voltou a ter todos os blocos operatórios a funcionar na sequência da diminuição do número de internamentos por covid-19.

A presidente do Conselho de Administração do Hospital do Espírito Santo de Évora, Maria Filomena Mendes, esclarece também ao PÚBLICO que o hospital não cancelou nem suspendeu “cirurgias, consultas nem exames emergentes/urgentes, nem prioritários”, tendo realizado “sempre todos os que foram considerados pelos médicos inadiáveis”, encontrando-se agora a retomar a restante actividade assistencial “gradualmente”. Segundo Maria Filomena Mendes, o hospital está, “desde o princípio do mês, a sentir um abrandamento da pressão dos ‘doentes covid’, quer na urgência, quer no internamento, incluindo nos cuidados intensivos”.

“Perante a diminuição do número de infectados”, o Centro Hospitalar Tondela-Viseu (CHTV) também “retomou a actividade de cirurgia em ambulatório, na unidade de Tondela”, disse ao PÚBLICO fonte do gabinete de comunicação, acrescentando que estão actualmente internadas 108 pessoas com covid-19, das quais 88 em enfermaria e 20 na unidade de cuidados intensivos.

“A decisão foi tomada em virtude da redução da pressão sentida no hospital e que está a permitir a regressão do ‘plano de contingência covid’”, acrescenta o porta-voz, destacando ainda que “nos últimos dias já foram encerradas três ‘enfermarias covid’ no CHTV e, se a tendência se mantiver, deverá ser encerrada mais uma enfermaria nos próximos dias”.

Foi também suspensa a actividade na Unidade de Internamento do CHTV-Fontelo, uma estrutura instalada no Pavilhão do Fontelo, em Viseu, que “deixou de receber doentes esta quinta-feira, dia 18 de Fevereiro, mas continua pronta caso a situação se volte a agravar”.

“À medida que o número de internamentos por covid-19 diminui, o CHTV prepara a retoma progressiva da ‘actividade não-covid’, um processo que é avaliado semanalmente”, concluiu o porta-voz do centro hospitalar, assinalando que, “apesar da diminuição de internamentos”, “o cenário ainda é difícil e é fundamental não baixar a guarda”.

Alguns hospitais nunca pararam

No caso do Hospital da Senhora da Oliveira, em Guimarães, as cirurgias oncológicas, urgentes e de ambulatório nunca pararam. O director clínico diz ao PÚBLICO que as cirurgias não urgentes de várias especialidades estão a ser efectuadas em instituições privadas da mesma rede com os profissionais do próprio hospital, que está já a preparar o reinício desta actividade.

Também o Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, nunca parou a actividade cirúrgica programada, apenas “diminui o número de cirurgias agendadas, assegurando que a necessidade de suspender ou adiar estas intervenções para alocar recursos humanos e físicos à resposta à covid-19 não agravasse a condição clínica do doente ou condicionasse o prognóstico da doença”, diz fonte do hospital, sublinhando, no entanto, que as cirurgias mais complexas e exigentes tiveram de ser reagendadas.

“Algumas especialidades, como por exemplo a Oftalmologia, continuaram a actividade de modo praticamente idêntico, uma vez que este tipo de cirurgia pode ser realizada em ambulatório e não necessita de internamento. De uma média de 220 cirurgias realizadas por semana, passamos para 160. Daí que não se possa falar em retoma, mas sim em continuidade da actividade, agora já a aproximar-se da actividade normal. Na próxima semana, o HPH estará já a funcionar a 75% da sua capacidade total, com um aumento do número de cirurgias já agendadas”, lê-se na resposta enviada ao PÚBLICO.

O Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) está já a programar a retoma da actividade cirúrgica normal. “Essa retoma terá que ser progressiva por razões de prudência e de acordo com um plano de desactivação progressivo da estrutura que tem estado afecta à covid-19. É importante ter em conta que o CHUC teve o maior dispositivo de todo o SNS com cerca de 500 camas afectas e ainda tem, nesta data, mais de 330 doentes internados e uma procura ainda assinalável de doentes no serviço de urgência para os quais é indispensável dispor de camas de internamento”, diz fonte do hospital em resposta ao PÚBLICO.

A mesma fonte avança que embora tenha existido uma redução significativa da actividade cirúrgica, o CHUC manteve a resposta às cirurgias urgentes, muito prioritárias e prioritárias e à cirurgia oncológica prioritária.

O Centro Hospitalar do Porto (CHP), que engloba o Hospital de Santo António, também não parou a produção clínica convencional. “Fez-se tudo o que era urgente e importante, designadamente nas áreas vasculares e oncológicas. No mês de Janeiro, o pico da pandemia em Portugal, operaram-se 3165 pessoas, em comparação com 3787 em Janeiro de 2020”, explica o director clínico do hospital.

José Barros diz que as quebras de produção devem-se à alocação de recursos para as áreas covid-19, à infecção e isolamento de profissionais e, principalmente, “aos constrangimentos de trabalhar em pandemias”. “As camas das enfermarias de cirurgia estão a ser-lhes devolvidas, mas as unidades intensivas mantêm uma ocupação elevada, que impossibilita uma retoma abrupta. O processo será cauteloso e progressivo. Já passamos por isto uma vez: no Outono, pediam-nos a retoma a todo o vapor; dias depois estávamos todos assustados a recentrar a vida na covid-19”.

O hospital tem agora 200 camas ocupadas por doentes covid-19 e 635 com outros doentes. Quanto às consultas, cerca de 62% já estão a ser feitas de forma presencial.

O Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (CHULC), que integra os hospitais de São José, Capuchos, Santa Marta, Dona Estefânia, Curry Cabral e a Maternidade Alfredo da Costa, está também a retomar as cirurgias de “forma gradual”. “O plano de retoma está a ser desenhado com cautela, sendo que a actividade cirúrgica está a aumentar de forma gradual, em função da redução progressiva da ‘actividade não-covid'”, explica fonte do gabinete de comunicação em resposta ao PÚBLICO, ressalvando que “a cirurgia urgente e prioritária, nomeadamente a oncológica e de trauma, foi sempre realizada”.

O CHULC diz ainda notar já uma menor pressão nos serviços de saúde e que “o número de internamentos de doentes com covid-19 está a diminuir de forma gradual”.

As ordens de Janeiro

No início de Janeiro, no mesmo dia em que Portugal ultrapassou pela primeira vez os 10 mil casos diários, a ministra da Saúde, Marta Temido, pediu aos hospitais de Lisboa e Vale do Tejo que suspendessem a actividade assistencial programada não urgente para dar resposta à escalada de casos e internamentos por covid-19. Marta Temido dizia ainda que todos os hospitais deviam, “de imediato, escalar os planos de contingência para o nível máximo”. 

Uma semana depois, a mesma ordem foi dada a todos os hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Deviam passar para o nível máximo dos planos de contingência de cuidados intensivos e adiar mesmo as cirurgias prioritárias, incluindo as oncológicas, desde que o cancelamento “não colocasse o utente em risco de vida ou grave prejuízo”. O principal objectivo destas medidas, explicava Marta Temido, era reforçar os cuidados aos doentes em estado crítico, numa altura em que os internamentos em unidades de cuidados intensivos se aproximavam das seis centenas e se previa um aumento destes números nas semanas seguintes.

Desde então, o número de doentes a precisar de internamento tem vindo a diminuir. Portugal tinha, segundo os últimos dados da Direcção-Geral da Saúde referentes a esta terça-feira, o número mais baixo de doentes hospitalizados por covid-19 desde 12 de Janeiro, há 36 dias. Nesse dia, existiam 4043 pessoas internadas, e nesta terça-feira há 4137 (menos 345 do que no dia anterior). O número de doentes a precisar de cuidados intensivos está a descer há cinco dias consecutivos: há agora menos 33 pessoas nestas unidades, num total de 719. 

O despacho da ministra da Saúde produziu efeitos até 31 de Janeiro e não foi renovado desde essa data. Com Lusa

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