“Variantes da língua” são maior motivo de discórdia entre editores da Wikipédia em português

A Universidade do Minho está a tentar traçar o perfil dos editores da Wikipédia em português. A maioria é homem, estudante e brasileiro.

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Só 15% dos editores da Wikipédia portuguesa são mulheres Gary Cameron/Reuters

Homem, estudante e brasileiro, é este o perfil da maioria das 2817 pessoas que editam, regularmente, o conteúdo da Wikipédia em língua portuguesa. Ainda assim, as “variantes do português” são o principal motivo de discórdia entre os editores das páginas portuguesas da enciclopédia colaborativa online. É uma tarefa que junta pessoas a trabalhar no Brasil (70,4%), Portugal (23,9%), Moçambique, Angola, Galiza, Estados Unidos, Venezuela e Alemanha. 

Três em cada dez sentem que existe racismo, xenofobia e desigualdade na edição da Wikipédia, em parte, devido às tentativas mútuas de imposição das diferentes variantes da língua portuguesa.

A informação surge numa versão preliminar de um relatório do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) da Universidade do Minho, que se incumbiu da missão de descobrir a identidade dos editores da Wikipédia em português.

“Num tempo em que tanto se discute sobre notícias falsas, pós-verdade e confiança na informação, estudar e perceber como funciona e quem alimenta esta rede colaborativa poderá dar pistas sobre como se instalam socialmente a verdade”, justificou Pedro Rodrigues Costa que coordena o estudo da Universidade do Minho numa apresentação dos primeiros resultados do trabalho.

“[A Wikipedia] é uma das fontes de informação mais visitadas do mundo”, sublinha o investigador.

De acordo com Costa, dados recentes mostram que em Setembro de 2020 os utilizadores em Portugal consultaram 29 milhões de páginas da Wikipédia em português. No Brasil, foram consultadas 273 milhões de páginas e nos Estados Unidos foram consultadas 14 milhões de páginas.

15% de mulheres

Segundo os primeiros resultados do estudo, em Fevereiro havia mais de 10.800 utilizadores activos (fazem pelo menos uma edição por mês) a trabalhar nas páginas da Wikipédia em português. Destes, 2817 são “editores frequentes” (pelo menos cinco edições por mês).

Para chegar ao perfil de cada um, os investigadores da Universidade do Minho enviaram um inquérito aos editores frequentes. Receberam 158 respostas.

Mais de metade dos editores tem menos de 34 anos, 26,4% tem uma licenciatura e 23,9% estava a trabalhar de Portugal. Há cerca de 15% de mulheres a editar a Wikipédia. “Contribuir para o conhecimento livre”, é a principal motivação para o trabalho.

Entre quem trabalha há jornalistas, historiadores e tradutores, mas também engenheiros, informáticos e advogados. Por norma, os editores tendem a permanecer ligados à área em que trabalham. As biografias são o tema preferido para editar (64%).

A falta de mulheres na Wikipédia não é exclusiva às páginas em português. Há anos que a enciclopédia colaborativa está a tentar contrariar o número reduzido de mulheres. Uma das iniciativas são as maratonas de edição e tradução (conhecidas por edit-a-thons, em inglês) só para mulheres, em que se editam artigos sobre diversos temas e se realizam formações gratuitas sobre como melhor utilizar a plataforma

“Conflitos são principal queixa”

A principal queixa, mencionada por 41,5% dos inquiridos, são “conflitos” entre os diferentes criadores — é repetida, principalmente, pelos indivíduos das duas nacionalidades que mais editam (portugueses e brasileiros) que reportam a existência de “racismo epistémico” devido ao uso da língua.

Os investigadores da Universidade do Minho querem explorar em maior detalhe os constrangimentos associados a este modo de produção colaborativa e o impacto para a factualidade da informação.

“O modo de produção colaborativa possui aspectos positivos, mas também traz à tona os problemas deste modelo de produção e difusão de conhecimento”, aponta Pedro Rodrigues Costa. Os desafios já detectados pela Universidade do Minho incluem “relatos de desigualdade de género e até homofobia”, bem como “relatos sobre empresas, instituições e até partidos que podem estar a pagar a pessoas para alterar artigos.”

É uma possibilidade problemática considerando que a Wikipédia é uma das fontes utilizadas pelo YouTube (da Google) e pela Apple para fornecer informação factual sobre determinados temas e diminuir a proliferação de teorias da conspiração.

Corrigido, 03h00, 11/02/2021: Em Setembro de 2020 foram consultadas 29 milhões de páginas da Wikipédia em português a partir de Portugal. Uma versão inicial da notícia incluía dados das páginas da Wikimedia consultadas — a Wikimedia inclui informação sobre a Wikipédia, mas também inclui projectos como o Wiktionary, Wikidata e Wikinews.

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