Manuel Carmo Gomes diz que saída das reuniões do Infarmed não resulta de desacordo: “Isso é exploração política”

O epidemiologista, cuja intervenção na reunião desta terça-feira no Infarmed foi muito contundente e crítica, rejeitou a ideia de que a sua decisão está relacionada com o desacordo das medidas tomadas pelo Governo.

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Manuel Carmo Gomes Rui Gaudêncio

O epidemiologista Manuel Carmo Gomes deixará de participar nas reuniões que juntam especialistas, políticos e parceiros sociais no Infarmed. A notícia foi avançada pelo primeiro-ministro durante o encontro desta terça-feira e confirmada à saída pela ministra da Saúde, Marta Temido. O professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa ainda participou na reunião desta terça-feira, numa intervenção crítica do combate à pandemia em Portugal. Ao PÚBLICO, rejeitou a ideia de que a decisão de deixar de fazer apresentações no Infarmed está relacionada com o seu desacordo com a política que tem sido seguida pelo Governo.

“Vou continuar a apoiar as reuniões do Infarmed, poderei estar presente para esclarecer dúvidas. Agora, deixo de estar obrigado a fazer apresentações, porque estou muito sobrecarregado com a Comissão Técnica de Vacinação [da Direcção-Geral da Saúde, comissão de que é membro] e porque as aulas [na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, onde é professor] vão começar”, explicou ao PÚBLICO Manuel Carmo Gomes.

O epidemiologista rejeitou a ideia de que a sua decisão está relacionada com o desacordo das medidas adoptadas pelo Governo. “Não é verdade. Isso é exploração política. A senhora ministra da Saúde até me incentivou a falar, quando sabia o que eu ia dizer, porque conversámos antes [da reunião]”, garantiu.

“O primeiro-ministro anunciou que o professor Manuel Carmo Gomes deixará de fazer parte do grupo de peritos das ‘reuniões do Infarmed’, por motivos profissionais. O seu contributo tem sido decisivo no combate à pandemia. Devemos agradecer o seu serviço público, que prosseguirá certamente na universidade”, escreveu no Facebook o deputado Ricardo Baptista Leite, do PSD.

Esta quinta-feira, em entrevista na SIC Notícias, Carmo Gomes reagiu também às palavras de António Costa: através de uma publicação no Twitter, o primeiro-ministro considerou esta terça-feira que será necessário prolongar o período de confinamento. O epidemiologista diz que o principal é reflectir primeiros sobre os critérios de desconfinamento, defendendo – tal como tinha feito durante a manhã no Infarmed – o estabelecimento de “linhas vermelhas”.

“Fico satisfeito se o Governo acolher bem a minha proposta de reflexão, que é uma proposta para todo o país. Temos de aceitar que há linhas vermelhas que o país não pode ultrapassar. Sempre que se ultrapassarem essas linhas vermelhas, Portugal tem de tomar medidas fortes, não pode tomar medidas gradualistas que têm dominado desde Maio. Os indicadores da situação chegam sempre com atraso. O R, que é tão falado, é medido com sete dias de atraso e nós depois tomamos medidas em resposta ao R e à incidência que fazem efeito daí a uma semana ou 15 dias. Quando nos apercebemos, já o R e a incidência vão mais elevados. Foi isso que tentei argumentar no Infarmed. Não quero dizer se [o fim do confinamento] é no final de Março, a meio de Março, quando é que é. Essas medidas têm de ser discutidas e, aparentemente, foram bem recebidas pelo primeiro-ministro que propôs, e muito correctamente, que haja um grupo técnico que se foque nas nossas propostas e as melhore, as torne mais eficazes”, afirmou o epidemiologista. 

Testar, testar, testar

No encontro desta terça-feira, Manuel Carmo Gomes defendeu que “a testagem é a arma principal que devemos usar, e não o confinamento” e definiu três “linhas vermelhas” para tomar medidas severas caso sejam ultrapassadas: “Não podemos ter um R [índice de transmissibilidade] a chegar a 1,1 durante muitos dias”; “temos de ter uma percentagem de testes positivos que não deve chegar aos 10%”; e “uma incidência que não ultrapasse os 2000 novos casos por dia”. Estes últimos valores corresponderiam a 1500 pessoas hospitalizadas, 200 delas em unidades de cuidados intensivos.

“São [dados] muito objectivos, claros e, se forem comunicados com antecedência, as pessoas sabem quando nos vamos poder desconfinar”, afirmou o especialista. E disse ainda ser importante travar a importação e propagação das variantes e aumentar a vigilância molecular.

“Temos de ter uma resposta agressiva, estabelecer ‘linhas vermelhas’. Se estas forem ultrapassadas, temos de agir de forma muito agressiva relativamente à epidemia. Há também preocupações de grandes grupos de cientistas europeus relativamente à presença das variantes, porque elas só vão agravar a situação e tornar mais premente uma mudança de estratégia”, relatou.

O professor de Epidemiologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa asseverou que as medidas são tomadas com atraso, numa tentativa de “andar atrás da epidemia”, contribuindo para uma polarização da opinião pública sobre as restrições aplicadas para conter o vírus. “A forma como temos vindo a lidar com a epidemia consiste em ler os indicadores – que normalmente chegam com sete dias de atraso –, adoptar medidas em resposta que parecem ser as adequadas à situação, depois levamos uma semana a 15 dias para ver o resultado das medidas, normalmente as medidas não são suficientes, e continuamos nisto...”, criticou Manuel Carmo Gomes. com Sónia Sapage

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