Utentes de lares com teste negativo saem infectados de estrutura de retaguarda

Na resposta criada na Pousada de Juventude do Porto para utentes não infectados de lares com surtos, a segregação é feita em “bolha”, de acordo com o local de origem. Nas últimas duas semanas, 18 de 19 utentes com teste negativo passaram a positivo depois da entrada na estrutura.

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As estruturas de retaguarda covid oferecem já centenas de camas em todo o país Paulo Pimenta

Dezoito utentes de dois lares que deram entrada na estrutura de retaguarda para pessoas que testaram negativo à covid-19, montada na Pousada de Juventude do Porto, tiveram de voltar aos centros sociais de origem poucos dias depois de de lá terem saído. Mas, ao contrário do que revelava o teste feito antes da partida, desta vez regressavam infectados. Após cerca de 48 horas desde a chegada à pousada, feito novo teste, o resultado era diferente de outro realizado anteriormente – 18 dos 19 utentes vindos do Centro Social da Lomba e do Centro Social de São Martinho de Aldoar, encaminhados para a estrutura de retaguarda pelas respectivas autoridades de saúde locais, passaram a testar positivo para o novo coronavírus depois de lá terem estado. 

Nesta solução criada para evitar novos contágios entre uma população mais frágil, quem chega não está obrigado a cumprir isolamento profiláctico, mas sim a ser segregado por “bolhas”, de acordo com o local de origem dos utentes. Autarquia, Comissão Distrital de Protecção Civil do Porto (CDPC-Porto) e coordenador do combate à pandemia do Norte dizem que é a autoridade de saúde local que decide os procedimentos a seguir durante e após a transferência. Nestes dois casos em particular, permanece a dúvida do local de origem da infecção.

Não é incomum detectar “falsos positivos” nesta estrutura criada para acolher, entre outros, utentes de lares que testaram negativo num centro social onde foi detectado um surto. Marco Martins, presidente da Câmara de Gondomar e da Comissão Distrital de Protecção Civil do Porto, responsável pelo apoio às transferências, diz ao PÚBLICO que já aconteceu mais do que uma vez utentes “positivarem” poucos dias após chegarem à pousada. Quando assim acontece, acredita já ter existido contágio no local de origem, onde as autoridades de saúde procedem à realização de testes rápidos antes da transferência dos utentes. Nos primeiros dias, quando o vírus ainda não incubou, “pode não ser detectado num teste rápido”. “Corre-se assim o risco de haver infecções com os falsos negativos”, afirma.

Pergunta-se se não seria fundamental proceder a um isolamento profiláctico ou a novo teste à chegada por não haver garantias de que, dias depois, os “falsos negativos” não passam a positivos. O responsável pela CDPC-Porto diz que à chegada à pousada “não tem de haver uma quarentena”, porque “já foram testados antes”. Um novo teste, explica, “é feito habitualmente dois ou três dias depois” de entrarem na estrutura para utentes covid-negativos. 

O PÚBLICO questionou o Agrupamento de Centros de Saúde Porto Ocidental e a Administração Regional de Saúde do Norte (ARS Norte), via e-mail, para saber se o procedimento adoptado não põe em causa o funcionamento da estrutura de retaguarda e a segurança dos utentes que para lá são encaminhados. Mas até ao fecho da edição não chegou resposta.

Quem decide quais as directrizes a seguir, sublinha também Eduardo Pinheiro, secretário de Estado da Mobilidade e coordenador do combate à pandemia no Norte, são as autoridades de saúde locais. Mas, como Marco Martins já tinha referido, confirma não ser necessário fazer isolamento profiláctico. “Não está a ser feito isolamento profiláctico na pousada porque não é previsto, não é por incumprimento”, explica, embora um documento da Direcção-Geral da Saúde assinado por Graça Freitas em Março de 2020, e actualizado em Julho do mesmo ano, onde estão elencados os procedimentos para Estruturas Residenciais para Idosos (ERPI) e outros, refira que em caso de transferência de utentes com teste negativo para outra instituição, provenientes de lares com casos positivos, “deverá ser cumprido um período de isolamento de 14 dias”. “Determinante”, considera o secretário de Estado, é que a separação de utentes na estrutura de retaguarda seja feita por utentes “do mesmo coorte”, como diz estar a acontecer.

Fernando Paulo, vereador da Habitação e Coesão Social da Câmara do Porto, que assume a operação e financia a estrutura de negativos (50 mil euros mensais), em parceria com a autoridade de saúde local, CDPC-Porto e Segurança Social, diz que ninguém entra na estrutura de retaguarda “sem a autoridade de saúde o determinar”. Depois, quem decide quando se volta a repetir o teste, afirma, é a autoridade de saúde. “Em função do estudo epidemiológico que fez e do local de proveniência, [a autoridade de saúde] vai determinar quando é que se faz novo teste. Ou não. Às vezes até determina que não o faz”, explica.

Relativamente à decisão de não se fazer isolamento profiláctico após entrada na pousada, adianta: “Agora faz-se o isolamento por bolhas.” Ou seja, os utentes ficam isolados por instituição, sendo que alguns ficam em quartos, acompanhados por mais um utente – são quartos duplos. 

Tendo em conta existirem “falsos negativos”, não será arriscado fazer segregação por “bolhas”, mantendo utentes da mesma instituição em contacto, já que existe probabilidade de haver quem esteja em fase de incubação do vírus? Fernando Paulo prefere não responder: “Percebo a questão. Mas essa é uma discussão que não vou ter, porque não sou profissional de saúde.” O autarca prefere sublinhar estar a decorrer tudo dentro das normas definidas para a condução dos processos de transferência.

Saíram negativos, voltaram positivos

A 18 de Janeiro, no Centro Social de São Martinho de Aldoar (CSSMA), a três dias de os utentes serem vacinados, foi detectado um caso positivo de um utente que se tinha deslocado a uma unidade de saúde. Fernando Pinheiro, da direcção do CSSMA, afirma ter-se procedido imediatamente ao isolamento nos quartos. Ao mesmo tempo, a unidade local de saúde foi contactada. Após testagem, 33 pessoas tinham resultado positivo. A oito utentes com teste negativo foi dada ordem de marcha para rumarem para a estrutura de retaguarda montada na pousada. 

Mas o isolamento, relata, terá sido quebrado logo no momento em que os utentes entraram para as ambulâncias que efectuaram o transporte – os residentes do lar seguiram em conjunto. “Só segui os utentes até à porta da pousada. A partir daí ficaram nas mãos deles”, conta. Três ou quatro dias depois, cinco utentes regressavam infectados. “Eles saíram daqui já contaminados ou contaminaram-se lá? Esta é a resposta que nunca vamos conhecer”,afirma.

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