A realidade é uma parede

Gostaria de ser normal. O que seria o meu equivalente da fadiga pandémica? Não usar o software leitor de ecrã e insistir em usar o computador ou o smartphone? Seria ir para a rua, tentando andar normalmente, caindo e tentando levantar-me como se não estivesse doente?

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Nicolas Beltran Lopes/Unsplash

Parece que algures no tempo rebentou uma “bomba suja” de coronavírus em Portugal. Na verdade, terá mais a ver com sobranceria e desinformação, temperados com algum azar.

Do meu confinamento forçado, que já vai para quatro anos, que faz com que este confinamento sanitário me seja praticamente indiferente, e, creio que falando em nome de muita gente de voz fraca e diminuída, gostaria de vociferar: quero ser pisado apenas se não entender que está a acontecer, para não ser entendido como tontinho e não sofrer consequências por pirraça; quero deixar de ter uma sensação de vertigem no peito apenas por existir, deixando de andar num estado de nervos constante; quero poder dizer a verdade sem temer ofender, para não contribuir para a hipocrisia que mina um sem número de situações e anula a anedótica meritocracia; quero agir como se tivesse saúde e não tivesse idade, para não ter medo de tentar coisas novas que hoje me são desconfortáveis ou vedadas; quero deixar o emprego que não tenho e ir viajar pelo mundo, para poder dizer, com convicção, que nunca é tarde; quero agir como se não tivesse obrigações e como se a palavra não tivesse valor, sem sentir vergonha de ser crápula; quero poder mudar de área e exercer uma actividade para a qual não tive formação, como as redes sociais indicam ser tão simples; quero poder desrespeitar as regras do confinamento, achando que sei como fazer para não ser infectado e não cumprir as regras se me apetecer; ou desrespeitar as regras “sabendo” que a pandemia não existe, para poder andar como se não fosse nada comigo, achando-me mais esperto que a carneirada e poder sair de casa para espairecer, caso me apeteça; quero ser birrento sem ter medo de consequências negativas.

Gostaria de ser normal. O que seria o meu equivalente da fadiga pandémica? Não usar o software leitor de ecrã e insistir em usar o computador ou o smartphone? Seria ir para a rua, tentando andar normalmente, caindo e tentando levantar-me como se não estivesse doente?

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