O padel ganhou força — e a culpa é da pandemia

Na plataforma AirCourts, o crescimento das reservas de campos de padel no segundo semestre de 2020 foi de 126%, em comparação com o mesmo período do ano anterior. A Cartri, marca com ADN nacional, teve um aumento da facturação de 186%. Com a pandemia de covid-19, o padel “entrou na agenda” dos portugueses?

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Nuno Ferreira Santos
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FRANCISCO ROMAO PEREIRA
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Sem adeptos nas bancadas e com os escalões de formação suspensos por causa da pandemia de covid-19, a maioria das modalidades desportivas depara-se com problemas no imediato (quebra de receitas) e nuvens negras para o futuro (hipotecar gerações futuras). Há, no entanto, quem esteja a passar pelo vírus praticamente incólume: na plataforma AirCourts, o crescimento das reservas de campos de padel no segundo semestre de 2020 foi de 126%, em comparação com o mesmo período do ano anterior.

Desde que em Março de 2020 a covid-19 colocou Portugal pela primeira vez em confinamento, a regulação da prática de desporto tem sido gerida com avanços e recuos, ao ritmo do impacto das vagas da pandemia. A partir de Maio, com o levantamento de algumas restrições, os desportos considerados “individuais”, como o ténis, o padel, ou o surf, passaram a ser um escape perante o risco acrescido que algumas modalidades colectivas comportavam ou para quem pretendia fugir aos espaços fechados dos ginásios. Entretanto, com o novo confinamento, todas estas actividades se encontram suspensas.

Se no surf é difícil quantificar o crescimento nos últimos meses, uma vez que é praticado em locais de livre acesso, no padel é obrigatório reservar um espaço para jogar. E o que os números comprovam é que a pandemia não travou o crescimento da modalidade: pelo contrário, tornou-a mais robusta. Se entre o início de 2016 e Maio de 2019, o crescimento de clubes e associações de padel em Portugal tinha sido de 288% (de 36 passaram a 140), no último ano e meio o aumento foi ainda mais significativo: a Federação Portuguesa de Padel conta actualmente com 212 filiados.

Em teoria, o aumento da oferta traduzir-se-ia em mais facilidade para os praticantes encontrarem um campo para jogar. Porém, segundo André Duarte, fundador e CEO da AirCourts, “o crescimento do número de utilizadores e reservas” na plataforma “foi muito maior do que o crescimento do número de novos clubes e courts para jogar”.

Criada em 2016, a AirCourts permite que os seus utilizadores reservem recintos em mais de uma dezena de modalidades, mas “o padel assumiu uma importância enorme”, revela André Duarte: “Já corresponde a 75% das reservas online e é um número que continua a crescer”.

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O CEO da plataforma, que tem “cerca de 80% da quota do mercado” no padel e “perto de 270 mil utilizadores”, explica ao P3 que “houve uma série de negócios que foram prejudicados com a covid-19, como os ginásios ou mesmo o futebol” e que “os proprietários passaram a olhar para o padel como uma transição de negócio interessante”: “Os clubes passaram de um cenário desesperante em Março e Abril, onde foram forçados a fechar, para um crescimento como nunca tiveram, o que foi inesperado para todos.

Analisando os números de reservas, André Duarte verifica que se comparar o último semestre de 2019, sem a covid-19, com o último semestre de 2020, já em pandemia e com “muitas restrições”, o “aumento de reservas no padel foi de 126%”, sendo que no mesmo período “o crescimento de utilizadores foi de 38% e de courts de 35%”.

Apesar da curva acentuada, André Duarte acredita que o crescimento da modalidade está longe de ter chegado ao seu pico. “Lisboa e Porto já têm uma densidade grande de campos, mas em algumas cidades é uma oportunidade. O que estamos a assistir é à abertura de clubes de uma forma mais dispersa. Em Portugal, há dez milhões de habitantes, sensivelmente, e 100 mil jogadores regulares de padel; em Espanha, com mais ou menos 47 milhões, há dois milhões e meio de praticantes. Há uma margem grande de crescimento.”

Um crescimento insustentável?

João Plantier, responsável pelo Clube de Padel, em Alcântara, também vê potencial de crescimento na modalidade, mas teme que “a crise económica que vem aí” faça achatar a curva: “Não acredito que seja possível manter este ritmo. Queremos fidelizar as pessoas e manter um crescimento simpático. Nos últimos meses foi superior a 30% no Clube [de Padel], mas não penso que seja possível manter esses números.”

Fundador de um dos mais antigos e emblemáticos clubes de Lisboa, Plantier revela que desde que o complexo reabriu “após o confinamento de Março e Abril”, o “crescimento bastante acentuado” coincidiu com um “perfil das ocupações” diferente. “A percepção que tenho é que há novos jogadores que estão a chegar de outras modalidades, assim como houve pessoas que só jogavam em indoor e passaram a jogar outdoor.”

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João Plantier, no Clube de Padel Nuno Ferreira Santos

Com “o padel a entrar na agenda das pessoas” e a tornar-se “mais democrático”, Plantier diz ao P3 que, tal como aconteceu no passado, “continuará a haver flutuações” no número de jogadores, pelo que o seu objectivo é “ser rápido a activar as pessoas": “Apostamos muito na personalização do contacto. É difícil virem a Alcântara e não terem uma interacção connosco.”

Embora a prática de padel, à semelhança de outros desportos individuais, seja consensualmente considerada de menor risco, a gestão da pandemia não é igual para todos. Hélder Veríssimo é um dos directores do Top Rackets, empresa que gere três clubes na região de Lisboa (Padel Benfica, Padel São João e Padel Estoril), onde, entre aulas e reservas de campos, “o valor médio de crescimento foi na ordem dos 20%”. No entanto, para Veríssimo, o início da pandemia ditou um travão na prática da modalidade.

Com 71 anos, Hélder Veríssimo começou a jogar em 2007, “quando havia apenas sete ou oito campos em Portugal”. Hoje é “provavelmente o jogador federado mais velho a fazer competição” no nosso país, mas o surgimento da covid-19 ditou uma mudança nas rotinas.

Após uma paragem de oito meses em 2019 devido a um problema de saúde, Veríssimo ainda disputou no ano passado a Liga de Clubes, onde foi campeão no escalão de +55, mas apesar de se sentir seguro no court, o lado social do padel, o contacto próximo com as pessoas” após os jogos, afastou-o dos recintos. No entanto, “quando o perigo da covid-19 desaparecer”, o regresso em força é uma certeza: “Não vou fazer o disparate de continuar a jogar dois torneios no mesmo fim-de-semana como fazia. Era uma loucura de apanhadinho pelo padel, mas gosto muito de competição. Para mim, o estímulo é a competição. Se deixar de competir, deixo de jogar.”

O crescimento do padel no último ano não se resumiu à vertente desportiva da modalidade. Em contraciclo com quase todos os outros sectores da economia, as marcas associadas ao padel também tiveram no último ano um volume de negócios que superou as expectativas.

António Martins é o CEO e fundador da Cartri, a “marca especializada em padel que vende mais têxtil em Espanha”, que, mesmo com “três meses de paragem”, terminou 2020 “com um aumento da facturação de 186%”. “No início de 2020 não tínhamos previsto um crescimento assim, mas durante o confinamento previ que desportos individuais, como ténis, padel ou running, teriam muito crescimento”, revela o empresário português em conversa com o P3.

Natural de Torre de Moncorvo e radicado em Espanha há 31 anos, António Martins conta que depois de muitos anos a trabalhar com empresas do sector, como a Puma e a Hummel, e estando já “no mercado através do fabrico de têxtil para outros”, foi desafiado a criar a sua própria marca. Assim, há cinco anos, surgiu a Cartri, que procura “ser diferente”: “Chegaram a dizer que eu era o D. Quixote do padel. Que estava a lutar contra os moinhos de vento por não deixar prostituir a marca, mas se as nossas raquetes têm um valor, ele que tem que ser válido em Madrid, em Sevilha, no Porto, em Estocolmo ou em Paris.”

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António Martins, CEO da Cartri

Com as raquetes fabricadas na cidade espanhola de Múrcia, a Cartri aposta “num controlo de qualidade muito exaustivo” e “materiais europeus, como carbonos suecos”, para “posicionar a marca num segmento médio/alto”. Em relação ao futuro, a marca com ADN português acabou de lançar mais uma colecção de raquetes, onde se destaca “a linha platinum” com quatro modelos (Triumph Omega, Maximum Kevlar Shield, Wolf e Volcano 2), mas a aposta de António Martins passa por “continuar a apoiar o padel juvenil e feminino, que é negligenciado pelas principais marcas”.

As metas do empresário transmontano passam ainda por reforçar a influência da marca fora do mercado espanhol: “A Cartri já está em 27 países e o nosso objectivo é, em cinco anos, duplicar esse número. A maioria do crescimento em 2020 já foi fora de Espanha. Portugal já é um dos países mais importantes para a Cartri, tal como a Suécia, a Itália e a França.”

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