Experiência de Mértola está a ser replicada em Cabo Verde e Moçambique

Associação de Defesa do Património de Mértola sem projectos na terra onde foi fundada há 40 anos, expandiu a sua acção a Moçambique, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe e Marrocos.

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Município de Monapo, localizado na província de Nampula, Moçambique
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A Associação de Defesa do Património de Mértola (ADPM) foi constituída em 1980 com uma finalidade: contribuir para o desenvolvimento do concelho de Mértola, sustentado na conservação, dinamização e valorização do património ambiental e dos recursos locais. No entanto, ao longo das últimas duas décadas, por falta de projectos em Portugal, a ADPM teve de assumir uma dimensão internacional, alargando a sua área de intervenção, através de um conjunto de parcerias, a projectos em Cabo Verde, Marrocos, Moçambique, S. Tomé e Príncipe.

Jorge Revez, presidente da associação, explicou ao PÚBLICO as razões que o forçaram a tomar a decisão: “Como não conseguíamos trabalho em Mértola ou no Alentejo tivemos de encontrar um caminho alternativo para aplicar a nossa experiência e conhecimentos ou a associação morreria.”  

Foi em Marrocos que iniciaram a sua experiência além-fronteiras. Seguiu-se S. Tomé e Príncipe e Cabo Verde. Neste último arquipélago prosseguem os trabalhos para levar água potável às 4000 pessoas na região do Planalto Norte, no interior do concelho de Porto Novo, na ilha de Santo Antão. 

Revez descreve o cenário que a associação encontrou. Para além da falta de água, o “Planalto Norte não tinha luz, sinal de telefone e nem há forma de fazer chegar um carro”. Com a intervenção da ADPM, “o sonho das comunidades de Porto Novo é, para já, ter energia e água nas suas casas.” Já existe um projecto neste sentido: a água vem de uma fonte a 10 quilómetros de distância e tem de ser levada a uma altitude de dois mil metros, operação que exige a instalação de sistemas de bombagem. A energia necessária é fornecida por uma central fotovoltaica que já foi inaugurada.

A partir da intervenção dos técnicos da ADPM, a ilha de “Santo Antão sofreu uma grande transformação na sua base económica”, acentua Jorge Revez, frisando que dois habitantes já estão a fazer “doutoramentos na Universidade do Algarve em turismo, ciências económicas e economia empresarial” para dar sequência a um “turismo sustentado”. O projecto Raízes, lançado há cinco anos e que permitiu a diversificação e qualificação da oferta turística com base na valorização do património ambiental e cultural, está concluído e já foi replicado noutras ilhas de Cabo Verde.

Acção em Moçambique

Esta internacionalização estendeu-se também, há 20 anos, ao município de Monapo, localizado na província de Nampula, Moçambique. “Quando nos deslocámos pela primeira vez à localidade moçambicana, havia uma única escola para 3800 alunos. O número de crianças que não frequentava o ensino era elevado e, entre as que conseguiam estar nas aulas, poucas completavam a 6ª classe e destas, só meia dúzia é que chegava ao secundário”, recorda o presidente da ADPM.

O primeiro passo no sentido da mudança passou pela construção de 35 escolas de formação profissional. “Os alunos eram aos milhares - a maioria meninas -, oriundos de famílias que, num razoável número de casos, tinham 10 e 15 filhos”, refere Jorge Revez.

A par das melhorias introduzidas no sistema de ensino, a associação de Mértola concretizou a construção de um depósito de água com capacidade para 300 mil litros e a abertura de 15 furos que garantem água para o consumo humano e a melhoria substancial da qualidade de vida da população.

No balanço que faz da experiência em Monapo, Revez enumera as iniciativas que foram entretanto tomadas: “Todos os anos construíamos escolas e formávamos professores. Instalámos laboratórios e enviámos equipamento de Portugal”. Desta forma concretizou-se o objectivo da ADPM. Milhares de crianças passaram a dispor de meios para chegar ao 12º ano e um número crescente de alunos prolongou a sua formação escolar até à obtenção de uma licenciatura.  

Hoje, observa o presidente da associação, “está ali um território radicalmente diferente”, até porque a intervenção da ADPM estendeu-se aos cuidados de saúde primários, “onde também já se registam progressos, expressos na construção de duas maternidades”. Para complementar estas intervenções, foram adquiridos equipamentos para vacinar crianças e, mais recentemente, foi prestado apoio às comunidades de Porto Novo e Monapo na prevenção e combate aos surtos pandémicos da covid-19.

Críticas a Mértola

Cumpridos 40 anos da fundação da ADPM, Jorge Revez questiona o alheamento das autoridades locais de Mértola: “Não conseguimos fazer nada apesar de demonstramos a nossa disponibilidade para trabalhar na nossa terra.” Mas se na vila alentejana “santos da casa não fazem milagres”, a organização já mereceu o reconhecimento da Assembleia Municipal de Porto Novo, por unanimidade, tal como em Monapo onde até a Renamo votou a favor da moção que enaltecia o trabalho desenvolvido pela ADPM. Os co-financiamentos para a cooperação portuguesa com os países africanos foram atribuídos pelo Camões - Instituto da Cooperação e da Língua, e pela União Europeia no caso de Cabo Verde.

Na reunião da Câmara de Mértola de 15 de Julho, o vereador da CDU Orlando Pereira questionou o presidente da câmara Jorge Rosa (PS) sobre os critérios que estavam a ser seguidos na atribuição de co-financiamento a determinados projectos. O autarca respondeu que a ADPM “tem possibilidade de ir buscar receitas a muitos outros sítios, como por exemplo programas comunitários, financiamento próprio e específico”. Mesmo assim, Jorge Rosa referiu que a “câmara tem viabilizado várias candidaturas e continua sempre disponível para parcerias, e tem inclusivamente contribuído com verba para alguns projectos.”   

O PÚBLICO solicitou esclarecimentos ao presidente da Câmara de Mértola mas a resposta enviada repete, em síntese, os argumentos a que recorreu na reunião de câmara.

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