Um novo paradigma para os medicamentos

É possível um novo paradigma para o desenvolvimento de medicamentos e este tem que se estabelecer globalmente. Um paradigma que inclua as necessidades terapêuticas, com respeito pela procura de um ganho equilibrado por parte de quem supre essas carências. Há muito tempo que o mundo precisa disso.

Os medicamentos são reconhecidos da generalidade da população como algo integrante da sua vida. O seu valor, apesar de fundamental, é dado como adquirido, em particular no hemisfério norte. Nem sempre é assim. Há medicamentos que se ausentam do mercado para depois voltarem, há outros que desaparecem. Isto acontece por vários motivos, desde escassez de matérias primas, mercados paralelos, aumento da procura internacional ou perda de rentabilidade com o consequente fim definitivo de produção.

A realidade da falta de medicamentos é mais conhecida para as situações de doenças raras ou doenças negligenciadas. A grande diferença é que o grupo das primeiras afeta todo o mundo, com esforços por parte de países desenvolvidos em incentivarem a indústria farmacêutica a desenvolverem novos produtos para estas condições. Houve um claro crescimento no número de moléculas para esse fim, ao contrário do que acontece com as doenças negligenciadas. Este segundo grupo de doenças faz mais vítimas, e exemplo é a malária. Contabilizam-se mais de 500 mil mortes por ano, com períodos em que a mortalidade chegou aos três milhões.

São os aspetos monetários, muitas vezes por oposição à necessidade de novas opções terapêuticas, que definem o acesso e a inovação. Demonstrativo disto é o alto preço dos medicamentos inovadores que são usados em poucos doentes ou dos medicamentos que não tem concorrência (com o detentor da patente a impor grande poder negocial). Por contraste temos os medicamentos genéricos, baratos para o Estado que comparticipa e para o consumidor. O problema advém de serem um dissuasor da pesquisa. Uma indústria farmacêutica não se proporá a desenvolver um novo medicamento que poderá ser vendido ao fim de dez anos pelos seus concorrentes, a não ser que esse período garanta um retorno financeiro que cubra os gastos de investigação, produção, distribuição e o necessário lucro (requisito para novos investimentos).

As vacinas que se avizinham dão-nos uma perspetiva otimista. Criou-se uma concertação entre Estados, organizações internacionais, academia e indústria farmacêutica. Os diferentes produtos medicamentosos que resultaram deste esforço serão acessíveis a todo o mundo. Fez-se ciência para a população, para a resolução das suas necessidades. A publicação de ciência fez-se para divulgação de conhecimento e não para criação de curricula. A indústria farmacêutica foi incentivada a dar soluções, em tempo útil, sem haver a necessidade de atuar com o mínimo de dispêndio financeiro possível em investigação, e com grandes intervalos de tempo. Tal ocorre por desconhecimento do valor de mercado do agente final e dos ganhos que advirão. O tempo prolongado para a obtenção de uma nova molécula com ação terapêutica deve-se a critérios de segurança, eficácia e qualidade, mas também se deve ao facto que um investimento mal gerido pode destruir uma empresa.

A concertação entre todas estas estruturas com um objetivo comum deve ser analisada e aperfeiçoada. Há capacidade científica para resolver muitos problemas sanitários no mundo. Há capacidade para incentivar os intervenientes a proporcionarem soluções, seja por fármacos inovadores, seja por melhoria das condições de acesso a medicação e estruturas de saúde. A situação atual mostrou-nos isso. Depois de se resolver esta crise, deve voltar a olhar-se para as que ainda existem e para o risco das que virão. Esse olhar deve ser novo, voltado para a sua resolução e não apenas para evitar o seu descontrolo. É possível um novo paradigma para o desenvolvimento de medicamentos e este tem que se estabelecer globalmente. Um paradigma que inclua as necessidades terapêuticas, com respeito pela procura de um ganho equilibrado por parte de quem supre essas carências. Há muito tempo que o mundo precisa disso.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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