Fatura virtual no SNS. Para quando?

A instituição da fatura virtual a todos os níveis do SNS ajudaria o utente/doente a valorizar o esforço coletivo no contributo para um modelo de saúde inclusivo, aprendendo a valorizá-lo.

Ficámos a saber que os setores privado e social vão receber por doente covid um valor que varia entre os 2500 e os 8000 euros, de acordo com a gravidade da situação (regime de enfermaria, internamento em unidade de cuidados intensivos e tempo de permanência neste regime). Dirão alguns, uma pipa de massa! Outros, que talvez não seja assim tanto, dado os custos atuais dos atos médicos. Uma coisa parece certa: se foi este o preço acordado entre o Ministério da Saúde e os privados é porque serve a ambas as partes e, seguramente, não nasceu do nada.

Sabíamos que a medicina tem um custo, o risível está em ter sido necessário ocorrer uma pandemia infeciosa para que a ponta do véu da fatura se levantasse. Isto, apesar de sabermos que o aumento percentual do PIB em Saúde vem sendo, teimosamente, superior ao crescimento do PIB global. Situação que, por razões óbvias, vai agravar-se com a pandemia covid, pondo ainda mais em causa a universalidade e a equidade no acesso a cuidados de saúde.

Não se pense que a falta de literacia em Saúde só se verifica nos leigos, como é caso do doente, ingénuo, que numa consulta do SNS nos diz que determinado clínico lhe fez aquele exame ou lhe prescreveu determinado medicamento, numa consulta a pagar. Como se o que é público fosse de graça e de má qualidade, sendo necessário desembolsar na hora para se ser bem atendido. É lamentável, mas há que reconhecer que a falta de conhecimento sobre a composição dos preços em saúde é transversal à sociedade, profissionais e decisores políticos incluídos.

Os que, como é o caso, defendem o modelo de Serviço Nacional de Saúde que temos, não por razões de “superioridade moral” mas por entenderem que a matriz “beveridgiana” é a que mais se adequa à riqueza do País, dando mais garantias de universalidade e equidade na prestação de cuidados de saúde com qualidade, não devem desconhecer que há custos que são gerados e suportados pela sociedade que não podem ser ignorados. Não basta recusar, por abjeto, o conceito sintetizado na frase “quem quer saúde paga-a”, é sim necessário saber-se como vamos proceder para que tal não venha a suceder no futuro.

Uma das medidas que me parece consensual é a da instituição da fatura virtual a todos os níveis do SNS. Não com o objetivo central de conter custos, mas com um fim pedagógico: para que o utente/doente, sociedade em geral, saibam valorizar o esforço coletivo no contributo para um modelo de saúde inclusivo, aprendendo a valorizá-lo. Pode parecer não ser este o tempo adequado para o fazer; lembro, porém, que a paz se prepara em tempo de guerra.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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