“Estão a matar o nosso comércio!” Comerciantes de Arroios contra alterações ao estacionamento

Câmara de Lisboa está a intervir na envolvente ao Mercado de Arroios para aumentar espaço para peões, retirando alguns lugares de estacionamento e alargando passeios. No entanto, os comerciantes queixam-se que a intervenção trouxe mais confusão à zona e agravou o trânsito.

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Daniel Rocha
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“Aqui tornou-se impossível fazer o dia-a-dia.” A frase sai a Ângela Coimbra como um desabafo, numa pausa entre os gritos de protesto que se fizeram ouvir contra as alterações ao estacionamento que a Câmara de Lisboa está a fazer à volta do Mercado de Arroios e na Rua José Ricardo. Na manhã desta quinta-feira, cerca de duas dezenas de comerciantes e lojistas do Mercado de Arroios e das ruas adjacentes juntaram-se para reclamar contra as novas marcações de estacionamento que, dizem, estão a cortar lugares para criar espaços livres que serão adornados com arte urbana. 

No início da semana passada, os comerciantes foram surpreendidos com a vedação de alguns lugares de estacionamento à volta do mercado com fitas da Polícia Municipal. Nessa noite, foram feitas novas marcações no chão e colocados pilaretes flexíveis. As intervenções foram feitas no âmbito do programa da Câmara de Lisboa “A Rua é Sua”, que visa promover a mobilidade activa, as deslocações a pé e de bicicleta, o acesso ao comércio local e o alargamento das esplanadas, através de alterações no espaço público. São exemplos dessas intervenções, a pedonalização (e a pintura em azul) da Rua dos Bacalhoeiros ou da Rua Cláudio Nunes, em Benfica.

Por ali, as ruas não serão pedonalizadas, mas a intervenção quer aumentar espaço para os peões, retirando alguns lugares de estacionamento e alargando passeios. Essas áreas serão preenchidas com uma “intervenção de arte urbana”, que consistirá na pintura do piso, detalhou a Junta de Freguesia de Arroios ao PÚBLICO, sublinhando que a obra é da responsabilidade do município. O PÚBLICO dirigiu um conjunto de questões à Câmara de Lisboa na passada sexta-feira mas, até ao momento, não recebeu qualquer resposta.

A junta liderada por Margarida Martins (PS) esclarece que o projecto "apenas implica alteração de sinalização (vertical e horizontal) a fim de reordenar o trânsito que, como é conhecido, na zona do Mercado de Arroios se caracteriza pelo estacionamento em segunda fila, provocando situações de insegurança para automobilistas e peões”. Assim, “o estacionamento está a ser reorganizado, garantindo-se todos os lugares de cargas e descargas e ainda lugares de largada e tomada de passageiros para que os clientes possam ir, com todo o conforto e sem estacionar em segunda fila, fazer as compras no mercado e lojas adjacentes”, acrescenta. 

No entanto, os comerciantes queixam-se precisamente do contrário: com estas novas marcações, a circulação complicou-se. Primeiro, para os veículos pesados de entrega de mercadorias — muito frequentes por ali — porque o espaço para as manobras é agora mais reduzido. Quem quer parar por breves instantes para beber um café, comprar um jornal, ou fazer outra compra rápida também não o consegue fazer sem que se forme logo uma fila de trânsito. Perante o desconforto, os clientes acabam por desistir e seguir caminho, notam os lojistas. “Há uma semana que não se consegue estacionar. Os clientes estão a ir-se todos embora. Não têm onde pôr o carro”, queixa-se Maria Luísa Máximo, vendedora de frutas e legumes no mercado há 49 anos. “Estão a matar o nosso comércio!”, lamenta. 

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O espaço delimitado pelos pilaretes será preenchido com arte urbana Daniel Rocha

Não é guerra contra as bicicletas

Antecipando já algumas críticas, Ângela Coimbra, proprietária da Pastelaria Latina, garante que a oposição à intervenção da câmara não é “nenhuma guerra contra bicicletas”. E justifica que grande parte dos poucos clientes que ainda frequentam o mercado e o comércio da zona são pessoas mais velhas, com problemas de mobilidade, e mais dependentes do automóvel. 

“Nós estamos no Mercado de Arroios com uma envolvência de pessoas de idade, que ainda se deslocam ao nosso mercado muitas vezes com carro. Um fica um no carro e o outro vem cá dentro”, observa também Beatriz Gomes, ali vendedora há 27 anos. “Houve clientes que ontem vieram, deram a volta e foram embora. Têm três supermercados de grandes cadeias à volta. O que é que estamos aqui a fazer?”, interroga-se. 

Ribeiro, do café Delícias da Praça, até seria um dos beneficiados com um possível alargamento da esplanada, mas ele não está interessado. “A minha esplanada chega e sobra”, diz. Na passada sexta-feira, por volta das 11h, quando falou com o PÚBLICO, tinha o café vazio. “A esta hora era costume estar cheio. Hoje estou vazio. Estou a perder uma média de 40, 50 euros numa manhã desde que isto está a acontecer. É lamentável”, diz.

Naquela zona, que é sobretudo residencial, com muitos prédios sem garagens, arranjar estacionamento é sempre uma missão árdua. Os comerciantes nunca tiveram lugares reservados. Junto ao mercado há um lugar destinado a cargas e descargas, mas não tem chegado para todos, sobretudo agora que muitos optaram por fazer entregas ao domicílio devido à pandemia.

Questionada sobre o assunto, a junta esclarece que os comerciantes podem ter “os lugares anuais nos termos do Regulamento Geral de Estacionamento na Via Pública, tal como todos comerciantes em Lisboa”, mas admite estar “em curso a análise de outras situações que possam, de alguma forma, apresentar soluções viáveis que não retirem estacionamento a moradores e trabalhadores da zona”. 

Pilaretes fora do lugar 

As alterações na envolvente ao mercado estenderam-se também à Rua José Ricardo, na qual o estacionamento do lado esquerdo, que se fazia em paralelo, passou a ser feito em espinha, permitindo a criação de mais 14 lugares de estacionamento, diz a junta de freguesia. 

No entanto, mesmo com mais estacionamento, as dificuldades mantêm-se. Jorge Bina, que tem na rua uma loja de produtos de cosmética há 28 anos, queixa-se da dificuldade em arranjar estacionamento ou parar o carro por breves instantes. “As pessoas dão voltas e voltas e voltas e depois não param”, repara, enquanto atende um cliente que ali foi comprar Tokalon. 

Além disso, nota Ângela Coimbra, “os lugares ficaram muito mal marcados, muito próximos”. “Não dá para tirar um bebé de uma cadeirinha”, exemplifica. “Uma ambulância se vier aqui tem de interromper o trânsito. Os pinos no início da rua são um problema para os camiões das descargas. Não há espaço para fazer a recolha do lixo. Um contentor não passa entre os carros”, enumera. 

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Na Rua José Ricardo o estacionamento é agora feito em espinha nas laterais Daniel Rocha

Antes, com o estacionamento em paralelo, se algum tivesse de parar, os outros passavam todos. Estamos muito descontentes com esta situação. Ainda não passou uma semana e já notamos muita diferença. Isto é anunciar a morte em todo o comércio”, lamenta a comerciante, acrescentando que já notou uma quebra de 50% nos almoços. 

Os lojistas queixam-se ainda de não terem sido ouvidos sobre as alterações. O executivo sublinha que as queixas “não chegaram formalmente à Junta de Freguesia de Arroios”, mas que perante os reparos, nomeadamente os relativos aos trabalhos feitos na Rua José Ricardo, “se irão coordenar todos os esforços” com o município “no sentido de corrigir a situação”. 

Como forma de protesto, os comerciantes lançaram no fim-de-semana uma petição pela reversão da intervenção. Mas, até ao momento, não teve grande expressão. Na manhã desta quinta-feira quiseram ir para a rua alertar para a “morte” do comércio local. E foram poucos os pilaretes que resistiram no lugar.

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