…E os cientistas que se desenrasquem

A FCT fez maquilhagem estatística das taxas de sucesso. Marcou linhas de corte arbitrárias, e calculou as taxas a partir das candidaturas que foram “admitidas a concurso” e dos projectos considerados “elegíveis”. Assim, as taxas de sucesso aumentam milagrosamente.

A Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) anunciou a 29 de Outubro os resultados do Concurso de Estímulo ao Emprego Científico (CEEC) e a 6 de Novembro do Concurso de Projectos de Investigação Científica e Desenvolvimento Tecnológico (IC&DT). Os dois concursos tinham levantado grande expectativa na comunidade científica, mas honestamente não muita esperança. Com base no orçamento dedicado, estimava-se que a taxa de sucesso dos dois concursos ia ser sempre inferior aos 10%, como veio a confirmar-se. Das 4197 candidaturas apresentadas ao CEEC, aproximadamente 300 (7,14%), e das 5847 candidaturas aos projectos IC&DT 312 (5,33%) foram recomendadas para financiamento. Houve alguns painéis do IC&DT que tiveram uma aprovação de 3%. Em contraste, as convocatórias individuais do European Research Council (ERC, projectos a cinco anos financiados em 1,5 a 2,5 milhões de euros), destinadas a financiar pequenas elites de líderes-cientistas com projectos de alto risco ou fora da caixa, têm cerca de 12% de taxa de sucesso global.

Não contente em deixar a ciência morrer de fome, a FCT fez maquilhagem estatística destas taxas de sucesso para dar a impressão de que são equiparáveis às taxas de concursos similares em outros países europeus. Marcou linhas de corte arbitrárias, e calculou as taxas a partir das candidaturas que foram “admitidas a concurso” no CEEC (3150) e dos projectos IC&DT considerados “elegíveis” (3317). Assim, as taxas de sucesso aumentam milagrosamente (9,52% e 9,40%, respectivamente), e a responsabilidade do desastre muda convenientemente de mãos: já não é da FCT e do ministro da Ciência, por subfinanciar a investigação, mas sim dos próprios cientistas, gente medíocre que nem escrever projectos sabe.

É importante relembrar aqui que os concursos de projectos IC&DT devem ter como objectivo principal a promoção da actividade científica e da diversidade do tecido científico português. Trata-se de manter em activo um amplo leque de especialistas que permitam responder com eficácia aos múltiplos e diversos desafios que a nossa sociedade enfrenta. Trata-se também de dar oportunidades a várias gerações de cientistas com diferentes coisas que aportar, e não só aos grupos já estabelecidos. Por isso, estas convocatórias têm de ser muito mais abrangentes. Trata-se de permitir que recursos humanos estratégicos possam trabalhar de forma continua e produtiva, que permita a sua competitividade internacional noutro tipo de concursos, mais arriscados e por mais dinheiro. E isto requer um orçamento para a investigação muito mais generoso, mas principalmente que seja regular e previsível, como já foi dito repetidamente.

No entanto, os concursos IC&DT têm acontecido apenas cada três anos, o mesmo tempo que duram os projectos. O resultado óbvio é que, em cada convocatória, todo o sistema científico nacional está obrigado a concorrer, porque todos projectos em andamento estão a acabar em simultâneo. Os projectos financiados são excelentes, certo; mas por cada projecto financiado, ficam – pelo menos – outros dez excelentes projectos sem financiar.

Os laboratórios que ficam sem projecto perdem elementos estratégicos, produtividade e eventualmente competitividade. Podem não fechar, mas nem sequer conseguem dar uma formação científica de qualidade. O compromisso do ministro da Ciência, Manuel Heitor, foi de fazer uma convocatória deste tipo de projectos cada dois anos, e o normal no resto de países europeus é fazer este tipo de concursos anualmente. Uma convocatória cada três anos, com uma taxa de sucesso do 5%, é apostar num sistema científico frágil e aleatório que dependerá do génio e da sorte dos poucos afortunados que sejam financiados, e não do esforço continuado e conjunto da massa crítica de cientistas que tem investido tantos anos, dinheiro e esforço a estabelecer ciência em Portugal.

Mas, olha, os cientistas que se desenrasquem sozinhos.

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