ERC e a (des)atenção aos media regionais

Passaram dez anos desde que foi apresentado o maior estudo alguma vez feito em Portugal. De então para cá, e salvo pontuais exceções, parece reinar o desinteresse.

“Sugeria um estudo do que será a imprensa regional daqui a dez anos. Porque não se falou no iPad e realidade digital? Como encaramos isso?” A intervenção é do ainda diretor do Gazeta das Caldas, José Luís de Almeida Silva, aquando da apresentação do estudo “A Imprensa Local e Regional em Portugal”, a 30 de Junho de 2010. Uma iniciativa da ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social. A ausência do digital num estudo daquela dimensão e quando a Internet já estava nas redações há cerca de 15 anos foi também o que registei na altura.

A sugestão foi deixada há dez anos e reforçada há dois. Na sequência de um post publicado pela ERC, na qual eram pedidas sugestões de estudos que poderiam ser realizados ao setor dos media em Portugal, respondi ao repto, enviando um email. As sugestões deixadas centravam-se em duas dimensões: i) transição digital dos media regionais e ii) meios locais e regionais fora do “radar” da ERC (das publicações detidas por autarquias, a outras). Estávamos a 27 de abril de 2018 e até hoje desconheço a atenção que mereceram, dado que a resposta recebida foi nenhuma. Já por iniciativa da própria ERC, e consultando os estudos sobre o referido sub-setor dos media constantes no respetivo site, encontramos dois: o já referido e um outro, “Caracterização do sector da radiodifusão local”, de 2009.

Olhando para duas das recentes publicações da ERC, o “Relatório de Atividades e Contas de 2019” e o “Plano de Atividades para 2021”, ficamos com indicadores sobre a atenção dada por aquela entidade aos media regionais. Dir-se-á que ela existe, embora me questione qual será para além do acompanhamento das participações recebidas, registos e cobrança da taxa de regulação. Penso nos estudos aqui referidos e que já passaram dez anos. Vejo que há vários temas a merecerem – e bem – a atenção da ERC, como o discurso de ódio online, a desinformação ou literacia mediática, mas continuo a não vislumbrar um olhar para os media regionais. Mesmo quando as associações ocupam o espaço público com alertas sobre a situação da imprensa regional e das rádios locais. Mesmo que alguns governantes e partidos também o façam, ainda que pontualmente. Mesmo com alguns contributos que vão surgindo ao nível académico, em mestrados, doutoramentos ou projetos.

A ERC apresenta um total de 86 funcionários – dados referentes ao ano anterior. Entre eles há quem se dedique a estudos sobre o setor e aos quais se juntam investigadores de algumas universidades. Curiosamente, não tenho visto por lá quem tem estado, nos últimos anos e de forma regular, a desenvolver projetos de investigação em torno dos media regionais, financiados com dinheiros públicos. Que aproveitamento está a ser feito do conhecimento ali gerado? E não é preciso muito, basta ter interesse nisso. Quem quer, arranja maneira. Precisamente o que têm feito os organismos que representam os diferentes setores dos media e jornalistas. Quanto à ERC, fica a questão: o que sabe ela e o que quer saber de uma parte do setor pelo qual é responsável?

Numa altura em que se define o Orçamento do Estado para 2021 e que há um secretário de Estado com a pasta dos media, talvez fosse oportuno (re)pensar o papel que desempenha ou que se pretende que venha a desempenhar uma entidade como a ERC. Entidade essa que mobiliza – convém lembrar – dinheiros públicos e que, por isso, tem responsabilidades acrescidas no setor. Também aqui, quem quer, arranja maneira. ​

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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