Portugal de cor-de-rosa

Estávamos no Verão de 1993 e a cidade galega de Santiago Compostela respirava as celebrações do Xacobeo. Muitos peregrinos enchiam a praça desta maravilhosa cidade num profundo ambiente de fé e de festa. Talvez por não ter sido tocado por este sentimento que chega a milhões de pessoas, uma coisa chamava-me a atenção. Um grito único ecoava por toda praça com uma força contagiante: Indurain! Indurain!

O mítico corredor de Navarra tinha conquistado naquele Verão o Tour, depois de já ter conquistado o Giro. Num país retalhado por questões regionais, era claro que Indurain emergia como um herói nacional e, após aquelas vitórias, todo um povo era genuinamente espanhol. Na altura, questionei-me quando chegaria a nossa vez.

Sucederam-se pequenas alegrias com Orlando Rodrigues, José Azevedo e Rui Costa, entre outros. Ou mesmo uma grande alegria com Sérgio Paulinho nos Jogos Olímpicos de 2004 em Atenas. Mas ficava sempre a questão sobre quando teríamos um ciclista português a discutir um Tour, um Giro ou uma Vuelta.

A minha paixão pelo ciclismo, ao longo dos anos, foi alimentada pela Volta a Portugal e as reportagens do DN ou pelo diário do Tour na RTP, passado a horas bem tardias. Essa paixão foi crescendo até que, um dia, Armstrong e outros decidiram destruí-la. Um duro golpe após muitos anos em frente a um ecrã de televisão, num vício difícil de explicar.

O regresso ao estatuto de espectador de ciclismo foi lento e assumidamente desconfiado. Mas o trio, às vezes quarteto, de jornalistas/comentadores do Eurosport foi e tem sido determinante neste regresso. Não será exagero algum afirmar que este canal, qual canal de serviço público, tem sido fundamental para a recuperação da credibilidade da modalidade em Portugal.

E foi neste quadro que assisti depois à soberba exibição de Tadej Pogacar no Tour e com alguma curiosidade espreitava para mais uma edição do Giro, numa época um pouco invulgar.

E, tal como eu, foi com enorme surpresa que Portugal descobriu A-dos Francos, tudo graças a um jovem de 22 anos, de seu nome João Almeida.

Já restam poucos adjectivos para descrever aquilo que João Almeida está a alcançar no Giro, uma das três provas rainhas do ciclismo mundial.

Etapa após etapa, Almeida tem-nos mostrado que estamos perante um talento das duas rodas. A frieza e a ambição fazem dele uma inspiração para todos os desportistas nacionais.

A forma como tem comunicado após cada etapa ilustra, igualmente, a dimensão humana do corredor da Deceuninck-QuickStep. O ciclista do Oeste, em cada palavra, carregada de humildade, soube ganhar e soube sempre perder.

Todos nós aprendemos que no desporto não interessa como se começa, mas sim como se acaba. No entanto, aquilo a que estamos a assistir é simplesmente épico.

Um ciclista sozinho pelas montanhas italianas, contra os grandes monstros do ciclismo mundial, somente apoiado pelos seus pais, tem ironicamente o condão de retratar na perfeição o percurso de muitos atletas portugueses, que têm simplesmente o sonho de ganhar, de serem os melhores.

João Almeida tem um país com ele, representa a força de uma geração sedenta de se afirmar internacionalmente, a coragem de não seguir o óbvio e o pragmatismo de aceitar que há gente mais preparada do que ele.

João Almeida encarna na perfeição um símbolo de esperança que nos tempos que correm tanta falta faz à alma lusitana. E é essa esperança, pintada de cor-de-rosa, que devia colorir todas as nossas aldeias, vilas e cidades.

Se é certo que ainda faltam duras etapas de montanha, João Almeida faz-nos sonhar e ajuda-nos, por momentos, a esquecer os momentos difíceis que todos atravessamos. O país e os portugueses precisam de momentos como este, momentos verdadeiramente inspiradores que só o desporto nos consegue dar.

Obrigado, João!

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