Leffest 2020: cinema para reflectir os tempos do vírus (com Peter Handke e outros convidados)

A 14.ª edição do Lisbon & Sintra Film Festival, apresentada esta quarta-feira, traz a Portugal Peter Handke, enquanto membro do júri, estreia Woody Allen, Abel Ferrara e os vencedores de Berlim, Veneza e San Sebastián e propõe-se ser espaço de reflexão sobre “tempos que obrigam a repensarmo-nos e a lutar contra a desconfiança”. De 13 a 22 de Novembro

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O Nobel da Literatura Peter Handke marcará presença na edição 2020 do LEFFEST Anders Wiklund/LUSA

“Estes são tempos que obrigam a repensarmo-nos e a lutar contra a desconfiança. Este vírus traz outros vírus”, disse Paulo Branco no início da sua intervenção. O 14.º Lisbon & Sintra Film Festival (Leffest), que se realizará entre 13 e 22 de Novembro, não poderia, naturalmente, ignorar os tempos pandémicos que atravessamos. Na verdade, como se concluiu da apresentação do programa, ao final da manhã desta quarta-feira, no Palácio Nacional de Queluz, encara-os como mote para a sua programação. “O festival vai existir através desta reflexão”, afirmou o produtor e director do Leffest na presença de Catarina Vaz Pinto, vereadora da Cultura na Câmara Municipal de Lisboa, e Basílio Horta, presidente da Câmara Municipal de Sintra.

No programa deste ano, “ainda um work in progress”, dado que “nos tempos que correm há surpresas todos os dias”, destacam-se as estreias dos últimos vencedores dos festivais de Veneza (Nomadland, de Chloé Zhao), de Berlim (There Is no Evil, de Mohammad Rasoulof) e de San Sebastián (Beginning, de Dea Kulumbegashvili), bem como, na selecção oficial, mas fora de competição, o novo de Woody Allen, Rifkin’s Festival. Na mesma secção serão também apresentados, em antestreia, The Human Voice, curta-metragem de Almodóvar, com Tilda Swinton, baseada na peça com o mesmo título de Jean Cocteau; Siberia, de Abel Ferrara; ou Falling, de Viggo Mortensen, cuja presença em Portugal é uma possibilidade ainda à espera de confirmação.

Ressaltam ainda do Leffest 2020 uma homenagem a Paul Thomas Anderson, com a exibição de oito dos seus filmes, e a apresentação de cinco das obras mais emblemáticas de Wong Kar-wai em cópias restauradas 4K (Chungking ExpressFallen AngelsHappy togetherIn the Mood for Love e 2046 serão os filmes apresentados). O realizador natural de Hong Kong marcará presença no festival virtualmente, participando numa conversa sobre a sua obra.

Fisicamente presentes no festival, que se dividirá entre o Cinema Nimas e o Teatro Tivoli, em Lisboa, e o Centro Cultural Olga Cadaval, em Sintra, estarão o Nobel da Literatura 2019, Peter Handke, Frédéric Bonnaud, director da Cinemateca Francesa, o realizador Gabriel Abrantes, o curador de arte e escritor Neville Wakefield e a bailarina, coreógrafa e artista visual Cecilia Bengolea, que compõem o júri da competição. Os filmes a concurso são Dear Comrades!, de Andrey Konchalovsky, Effacer L’Historique, de Benoît Delépine e Gustave Kervern, In the Dusk, de Sharunas Bartas, Malmkrog, de Cristi Puiu, Orphea, de Alexander Kluge e Khavn de la Cruz, Sportin’ Life, de Abel Ferrara, The Best Is yet to Come, de Jing Wang, The World to Come, de Mona Fastvold, Un Soupçon d’Amour, de Paul Vecchiali, e Undine, de Christian Petzold.

Peter Handke e Gabriel Abrantes serão também responsáveis pela escolha de um filme a apresentar no festival – a escolha do primeiro ainda não foi revelada, a de Abrantes é A Quimera do Riso (1941), de Preston Sturges. Quanto a Frédéric Bonnard, preparou para o festival uma selecção de cópias restauradas da Cinemateca Francesa que o Leffest apresentará enquanto homenagem à instituição. “A âncora que sempre nos motivou enquanto cinéfilos”, referiu Paulo Branco. Dela fazem parte A Idade do Ouro e Las Hurdes, Terra sem Pão, de Luis Buñuel, e L’Atalante, de Jean Vigo, entre outros. Cecilia Bengolea também apresentará três dos seus filmes na secção Cinemart, na qual se estreitam os laços entre o cinema e a arte contemporânea.

De Kubrick ao México

Num festival que terá na sessão de abertura o histórico 2001 – Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick – vivendo nós actualmente num cenário de “ficção científica” que nos obriga a questionar “o que somos, de onde viemos e para onde vamos”, não haveria filme mais adequado, referiu Paulo Branco —, a reflexão sobre o tempo presente surgirá, por exemplo, no ciclo temático Olhares em Confronto, que abordará questões como o feminismo, as desigualdades sociais ou o sexo como forma de exercício de poder, e também na organização de dois simpósios: dias 14 e 15 de Novembro serão abordadas As artes e o público no mundo pós-pandemia, e dias 21 e 22 de Novembro, no âmbito do 25.º aniversário da elevação de Sintra a Património Mundial da UNESCO, discutir-se-á o equilíbrio, nas cidades, entre a preservação do património e a vida quotidiana plena dos seus cidadãos.

No Leffest haverá também lugar à música, com Salvador Sobral a apresentar no Tivoli, dia 19 de Novembro, um concerto dedicado à música mexicana preparado especialmente para a ocasião (a actuação intercala a exibição de dois filmes escolhidos pelo músico, Os Esquecidos, de Luis Buñuel, e E a Tua Mãe também, de Alfonso Cuarón). Três dias depois, a cerimónia de entrega dos prémios contará com um concerto da recém-formada Orquestra Municipal de Sintra.

Basílio Horta defendeu que se o apoio do seu município ao festival nasceu da consciência da importância da cultura na vida em sociedade, este ano tal consciência torna-se ainda mais premente. “Ainda o prazer [de o organizar]”, mas agora “também o dever de o fazer”. “É nestes momentos que temos de ter a capacidade não de sobreviver, mas de viver”, afirmou. “Nesse sentido, a cultura tem agora uma importância maior.”

A programação final, com os respectivos horários e distribuição por salas, será anunciada a 2 de Novembro, o mesmo dia em que serão postos à venda os bilhetes para o festival.

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