Pandemia, juventude e saúde mental: o que podemos fazer

As instituições de ensino superior têm um papel importante na normalização da questão, na diminuição do estigma e na promoção da literacia em saúde psicológica. O combate ao suicídio juvenil passa pela melhoria contínua das estratégias de prevenção e de apoio, nas famílias, nas escolas, na comunidade e no Serviço Nacional de Saúde.

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O contexto pandémico desencadeou uma crise global com impacto extenso na vida de milhões de pessoas, provocado não apenas pela doença, mas pelos empregos perdidos, pela disrupção no orçamento das famílias, pelos lutos adiados, pelo aumento das desigualdades e, sobretudo, pela incerteza. Não é surpreendente que, à boleia da crise da saúde, social e económica, assistamos a uma outra, a da saúde psicológica, de dimensão e efeitos ainda imprevisíveis.

Naturalmente, nem todos serão afectados da mesma forma. Os riscos serão maiores em função da idade, género, ocupação, estatuto socioeconómico, variáveis personalísticas ou recursos disponíveis. No entanto, os estudos indicam que aqueles com menos de 30 anos são um dos principais grupos de risco para o desenvolvimento de problemas de saúde psicológica (para além dos profissionais de saúde, idosos e populações vulneráveis), entre eles, ansiedade, depressão, variações de humor, exaustão emocional, perturbações de sono, stress pós-traumático ou aumento do comportamento suicidário, este último entendido num espectro de auto-agressão que envolve ideação, ameaças, tentativas e actos suicidas.

O suicídio está entre as 20 principais causas de morte no mundo e é a segunda para os jovens entre os 15 e os 29 anos. Sendo um fenómeno complexo e multifactorial, a sua real dimensão é difícil de estimar, mas as estimativas para 2020 apontam para números preocupantes, na ordem dos 1,5 milhões. Num estudo recente divulgado pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), cerca de 40% dos entrevistados relata sintomas de problemas de saúde psicológica, em particular de ansiedade, depressão ou trauma, bem como aumento de uso de substâncias – factores de risco para o comportamento suicidário. Quase 11% e quarto dos adultos jovens reportou ter tido ideação suicida nos 30 dias anteriores ao estudo. Os dados indicam ainda que os jovens em idade universitária são especialmente vulneráveis. Nesta fase, a experiência do sofrimento envolve factores ligados às dinâmicas da transição entre a adolescência e a vida adulta, onde o potencial impacto negativo da incerteza face ao futuro, ao percurso académico, à carreira e à vida familiar é ainda mais pronunciado (a título de exemplo, refira-se actual situação vivida pelos estudantes nas Universidades do Reino Unido).

A liberdade coarctada, a interrupção da conexão com colegas e amigos e a supressão de momentos de lazer podem aumentar os sentimentos de solidão, tristeza, preocupação e desesperança. Paralelamente, a diminuição da actividade física, a nova realidade (e dificuldades associadas) do ensino online e o aumento da exposição a ecrãs, a conteúdos relacionados com comportamentos autolesivos e suicidas e ao risco de cibervitimização são uma agravante, prejudicando a concentração, o sono, o desempenho académico e a capacidade de julgamento. Estes factores podem convergir num cocktail explosivo, especialmente para os que já sofrem de problemas de saúde psicológica. Como poderemos apoiar os jovens neste contexto? 

O suicídio representa muitas vezes um comportamento de fuga a um sofrimento intenso percepcionado como um beco sem saída. É importante lembrar que a maioria dos jovens com comportamento suicidário não pretende morrer, antes sente que não possui os recursos necessários para poder escolher. Por isso, o combate ao suicídio juvenil passa pela melhoria contínua das estratégias de prevenção e de apoio, nas famílias, nas escolas, na comunidade e no Serviço Nacional de Saúde. Independentemente do nível de intervenção, existem seis regras de ouro a considerar: Consciencializar (para que percebamos que o suicídio é um problema de saúde pública, e por isso, diz respeito a todos nós); Informar (promover a consciencialização da problemática); Capacitar (ensinar indivíduos e profissionais a lidar com o suicídio); Formar (aumentar a literacia em saúde psicológica); Conversar (incentivar o diálogo aberto sobre o problema); e Conectar (unir esforços, nas famílias e na comunidade, no trabalho de prevenção).

As instituições de ensino superior têm um papel importante na normalização da questão, na diminuição do estigma e na promoção da literacia em saúde psicológica entre estudantes, corpo docente e staff. Para tal, as universidades devem adoptar uma cultura que promova a partilha das dificuldades relacionadas com a pandemia e com a saúde psicológica, adaptar e reforçar os seus serviços de apoio social e psicológico às actuais circunstâncias (por exemplo, criando grupos de apoio online, promovendo campanhas de sensibilização, bem como informação sobre serviços, redes e associações de apoio) e criar estratégias de identificação de sinais de alerta que nem sempre são evidentes (historial familiar de suicídio, irritação ou agitação excessiva, tristeza e baixa auto-estima, interesse por conteúdos virtuais relacionados com comportamento suicidário, uso de substâncias, sentimentos de inadequação, desinteresse pela vida académica e pelos amigos, etc.).

Pais e cuidadores devem também manter-se atentos a estes sinais e adoptar comportamentos que possam minorar o sofrimento entre os mais jovens. Estes podem incluir a exposição dos seus próprios receios ou o evitamento de mensagens alarmistas sobre a situação (por exemplo, stress gerado por dificuldades financeiras, actualização constante de notícias), optando por um diálogo franco e operativo, orientado para a solução para dificuldades e problemas concretos. A procura de ajuda não deve ser dispensada, quer através das linhas de apoio disponíveis, quer consultando um psicólogo

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