Don Kikas celebra 25 anos de carreira ao vivo com Bonga e Tito Paris

Cantor e compositor angolano celebra 25 anos de carreira com um espectáculo no Cine-Teatro Capitólio, em Lisboa. Este domingo, às 14h30, com Bonga e Tito Paris entre os convidados.

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Don Kikas DR

Nasceu em Angola, passou os primeiros anos da sua vida no Brasil e iniciou a carreira musical em Portugal. Don Kikas, nome artístico pelo qual é conhecido, completa este ano 25 anos de carreira musical e vai celebrá-los este domingo com um espectáculo no Cine-Teatro Capitólio, em Lisboa, a partir das 14h30. Entre os convidados, estão dois grandes músicos com os quais gravou: o angolano Bonga e o cabo-verdiano Tito Paris.

De seu verdadeiro nome Emílio Camilo da Costa, Don Kikas nasceu no dia 4 de Janeiro de 1974, no Sumbe, na província de Cuanza Sul. Mas alguns meses após o 25 de Abril em Portugal, tinha ele cerca de um ano, os pais foram com ele para o Brasil, instalando-se no Rio de Janeiro, com uma curta passagem por Lisboa. Ficou lá até aos 8 anos. “A vaga memória que tenho é mais da convivência no sítio onde vivia”, diz ao PÚBLICO. “É engraçado que no ano 2000 voltei ao Brasil para fazer uma tournée com o Martinho da Vila [que, no seu álbum Lusofonia, de Março desse ano, gravou um dueto com Don Kikas no tema Hino da madrugada], procurei os meus familiares que ainda vivem no Brasil e tive a sorte de ir ao sítio onde morei. Mas não me lembrava praticamente de nada, não conseguia relacionar o que encontrei com as memórias que eu tinha, que eram mais de pessoas, vizinhos com quem brincava, momentos, não tanto do país em si.”

Luanda e depois Lisboa

Depois a vida mudou, de novo: os pais separaram-se, ele voltou para Angola com a mãe e o pai ficou no Brasil (ali viria a morrer, mais tarde). Mas a música já o rodeava. “No Brasil, já tinha paixão pela música. Passava a vida a cantar, imitava artistas que via na televisão. Os vizinhos chamavam-me e pediam-me para cantar, constantemente, era uma espécie de palhacinho do bairro: ‘Ó Kikas, imita o artista X, o artista Y’, passava a vida nisso. Em Angola, não foi diferente. Tive contacto com a música angolana e tive a sorte de ter uma banda que ensaiava perto da minha casa, os Jovens do Prenda [formado em 1968, foi um dos primeiros grupos angolanos a ter projecção internacional].”

Quando regressaram a Angola, foram primeiro para o Sumbe e só depois para Luanda. “Vivi até aos meus 12 anos no Bairro Prenda. Que além dessa banda, Jovens do Prenda, é também conhecido por ser um bairro muito musical, muito carnavalesco, porque o carnaval de Luanda partia muito desse bairro.” E já morava no Prenda quando escreveu a sua primeira canção. “Aos 8 anos, pedi à minha mãe para me ajudar a compor uma música. Ela ouvia muitos músicos angolanos, mas também era fã do Roberto Carlos.” E lá fizeram a tal canção. “Acho que nem tinha título. Era uma música de criança, falava do meu quotidiano, de jogar à bola, fazer festinhas ao cão, coisas assim.”

Dez anos depois, rumava a Portugal, sozinho, para continuar os estudos. Tinha então 18 anos. “Fui directamente para Lisboa, mas a minha primeira residência foi em Almada, onde vivi muitos anos, até nascerem os meus filhos, trigémeos.” Com três filhos, nascidos em 2010, teve de se mudar para uma casa maior. E passou a morar em Odivelas. Mas nessa altura já a sua carreira musical levava uns bons anos. Gravou o primeiro disco, Sexy Baby, em 1995, seguindo-se Pura Sedução (1997), Xeque Mate (200) e Raio-X (2003). Em 2006, lançou um CD duplo, Viagem, onde a par de temas e ritmos mais usuais nas suas composições (a kizomba ou o zouk antilhano), fazia uma incursão pelos ritmos tradicionais angolanos, em parceria com nomes como Bonga ou Galiano Neto. Nesse disco, incluiu uma versão de Muxima, de “Liceu” Vieira Dias, em dueto com Tito Paris.

Um êxito chamado Esperança

O nome por que é hoje conhecido, Don Kikas, tem origem familiar. “Quando eu nasci, o meu irmão Sílvio, dois anos mais velho do que eu, sem ninguém saber porquê, começou a chamar-me Kikas. E ficou o meu nome de casa.” O Don veio depois. “Surgiu já em Portugal, quando gravei o meu primeiro álbum. Kikas parecia muito pequeno e se calhar também infantil, e Costa parecia muito formal. Então lembro-me que a malta angolana da diáspora de Lisboa tinha muito o hábito de se chamarem uns aos outros de Don, Don isto, Don aquilo, na brincadeira. Alguém me chamou Don Kikas e o pessoal da editora achou piada. Confesso que me soava um pouco estranho, de início, mas não me opus porque não tinha ideia melhor.” E ficou Don Kikas, nome que o celebrizou, até hoje.

Com a carreira musical firmada em Portugal, mas já com difusão internacional (no Brasil, por exemplo, cantou com Martinho da Vila, Gilberto Gil, Ivete Sangalo, Daniela Mercury e outros), Don Kikas retomou a dada altura a sua ligação física com Angola. “Fui voltando. Eu vim em Novembro de 1992 e voltei uma primeira vez a Angola em 1997, já como Don Kikas, para fazer concertos com o segundo álbum, Pura Sedução. Depois, em 2002, quando se deu aquela transformação social e económica, com várias oportunidades, passei a viver cá e lá. Tinha a família cá, mulher e filhos, mas passava grandes temporadas lá, até porque havia várias oportunidades de trabalho, concertos.”

Desse primeiro regresso, em 1997, guarda muito boa memória. “Posso dizer que é das memórias mais fortes que tenho na minha vida. O tema que dava título ao álbum, Pura sedução, era já um grande sucesso em Portugal, na comunidade africana, mas a minha grande surpresa foi chegar a Angola e perceber que o grande sucesso do álbum não era esse tema mas sim Esperança moribunda [que ganhou em Angola, em 1997, o prémio de Música do Ano]. E ver crianças, homens, mulheres, a cantá-la do início ao fim. Sem ter a noção disso, eu estava a dizer nesse tema aquilo que as pessoas queriam dizer.” A ideia para escrever essa canção surgiu-lhe ao ver uma reportagem na televisão. “Foi na SIC, se não me engano. Falavam dos miúdos sem abrigo, sem Luanda, entrevistaram vários, e um deles dizia: ‘A vida aqui ‘tá mal, mal, mal.’ E eu, nesse preciso momento, peguei no violão e comecei a cantar ‘tá mal, mal’. E, sem a maturidade que tenho hoje, fui escrevendo a música de forma espontânea, tentando de alguma forma transcrever aquilo que eu achava que ia no espírito dos angolanos, não só naquela reportagem, mas também nas cartas que trocava com a família – e os telefonemas eram breves porque eram muito caros –, e foi-me saindo. Mas hoje é um dos temas obrigatórios em qualquer concerto e é uma das músicas que possibilitou que eu tivesse esta carreira de 25 anos.”

Livre, o novo disco

No Capitólio, Don Kikas passará em revista muitos dos seus temas mais conhecidos, mas também outros que, não tendo idêntica fama, ele considera importantes. “Para que o público perceba alguma versatilidade no meu repertório. E vou ter como convidados dois artistas que eu admiro muito, como artistas e também como pessoas, o Tito Paris e o Bonga. Já colaborei várias vezes com ambos, gravando e no palco. E é um prazer enorme tê-los comigo nesta data.” Terminado o concerto, há já no horizonte um novo álbum: “Tenho-o praticamente concluído. Vai chamar-se Livre. Temos estado a lançar alguns singles, ainda agora saiu um chamado Ainda ontem, com a participação de uma cantora cabo-verdiana que vive em Angola, Carla Moreno, que é uma das melhores vozes do universo PALOP, embora não seja muito conhecida. Dependendo um pouco da situação da pandemia, o álbum poderá sair este ano ou no início de 2021.”

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