Pole position na grelha de abocanhar

As notícias dão nota que a pandemia fez os muito ricos atingirem novos picos de riqueza. Devem os subsídios continuar a aprofundar esta linha ou invertê-la?

Ainda não chegou um cêntimo de Bruxelas e os abocanhadores já lutam ferozmente pela pole position na grelha do enfartamento.

Com o “social-democrata” Cavaco Silva no posto de primeiro-ministro, o abocanhar atingiu tal desnorte que foi necessário produzir legislação para criminalizar o desvio de subsídio, certas zonas das grandes cidades pareciam o Paris/Dacar com tanto jipe a circular.

O nosso capitalismo antes e depois do 25 de Abril foi sempre pouco arrojado. Então vivia protegido pelo Estado. Agora parasita nas suas entranhas à custa de tanto vociferar contra o próprio fornecedor de combustível, o que torna a própria essência do sistema falseada pela ausência do espirito de risco.

A CIP, a CAP, a Confederação do Comércio e similares já se levantaram a reivindicar direitos adquiridos (o de serem privados) à frente de toda a comunidade. Está escrito algures nos buracos negros que os fundos de Bruxelas têm de ir primordialmente para os nossos empresários, sob pena de o país afundar.

O nosso sistema financeiro precisa do sacrifício de vítimas, isto é, dos contribuintes, tal como ocorria no tempo dos Maias na América Central. A ira dos mercados é implacável. Os contribuintes contribuem para apagar os buracos negros no BPN, CGD, BCP, BES e C.ª. É preciso aplacar essa ira, cortando despesas. Tudo o que se corte deve ir direitinho para esse deus insaciável, o mercado financeiro. Sacerdotes já é o que mais há. Basta ligar as televisões, de manhã à noite. Amen.

Ora o país saído de uma grave crise provocada pela gula dos banqueiros acaba de entrar na brutal crise pandémica. A União Europeia afetará, nestas circunstâncias excecionais, centenas de milhares de milhões de euros a fundo perdido. Este dinheiro provém das contribuições dos cidadãos da UE. E deve ser destinado a fazer frente ao cortejo de desgraças que a pandemia está a criar.

Assim, a primeira grande questão é esta: a quem devem ser destinados? Devem ir sobretudo para os bolsos dos que buscam essencialmente o lucro ou deverão ser instrumentos do Estado que, ao serviço da comunidade, tem agora uma oportunidade quase única de investir para robustecer os serviços públicos, designadamente SNS, escolas públicas, habitação social, Justiça e transportes públicos?

As notícias dão nota que a pandemia fez os muito ricos atingirem novos picos de riqueza. Devem os subsídios continuar a aprofundar esta linha ou invertê-la?

Claro que há corrupção no Estado, mas não é menor nos privados, aliás o que acontece neste domínio é uma espécie de parceria público-privado para exaurir os recursos públicos e levá-los para o bolso de muitos gestores, alguns condecorados com as mais altas distinções da República.

Uma coisa é o Estado dever zelar pelo interesse da comunidade (fazendo-o ou não), sujeito por via das diferentes eleições a alguns dos seus órgãos ao escrutínio das populações. Outra é o abocanhamento de subsídios sem controlo e que servem apenas, em numerosos casos, para fazer fortunas aos premiados numa certa zona obscura que é a da atribuição do subsídio. Basta ver ainda hoje como são aplicados.

Não se pretende de modo nenhum erigir o Estado em figura exemplar; nada disso. Apenas sublinhar que o controlo dos cidadãos sobre o Estado, sendo escasso, apesar de tudo é maior que o controlo sobre os privados.

Manda a tradição que se desconfie dos dois, e que ambos devem ter apertada vigilância, mas, apesar de tudo, a capacidade de questionar as opções dos governantes é bem maior que a dos longínquos empresários – sem, no entanto, esquecer que os há, e muitos, no melhor sentido da palavra.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico       

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