Nasceu a AAFC – Associação dos Advogados de Família e das Crianças

Conhecimentos jurídicos não são suficientes quando se trata de decidir sobre a vida de crianças.

A advocacia no âmbito da jurisdição da família e das crianças é – deve ser! – distinta das demais. Aqui está em causa o que de mais precioso temos, as nossas crianças, os cidadãos de amanhã, que devem ser objeto de especial proteção.

Esta proteção das crianças não é compatível com o exercício tradicional da advocacia em que partes em confronto, posicionadas em barricadas opostas, esgrimem argumentos tentando levar de vencida a outra parte. Tal como defendemos noutro artigo publicado neste jornal, impõe-se, nesta matéria, uma revisão dos moldes em que todos nós, profissionais dos tribunais, exercemos a nossa atividade.

Mas a advocacia da família e das crianças implica também, forçosamente, conhecimentos em áreas a que, tradicionalmente, os juristas são alheios ou indiferentes, como a psicologia, a sociologia, a pediatria, a psiquiatria e a pedopsiquiatria. Na verdade, fará sentido que um regime de exercício das responsabilidades parentais seja definido por juristas sem o input de outras ciências? Será que o curso de Direito nos habilita a aconselhar pais separados ou divorciados relativamente ao melhor regime de convívios de um bebé com o pai e a mãe? Ou a saber interpretar o depoimento de uma criança de cinco anos que diz ter sido sexualmente abusada?

Se é certo que os tribunais de família e menores se socorrem muitas vezes do contributo de peritos em todas aquelas áreas da ciência, a verdade é que tal apoio é intermitente, irregular e muito escasso. As mais das vezes, as decisões e acordos são tomados sem que nenhum perito seja consultado. É, pois, imperativo que os atores judiciais possuam conhecimentos mínimos, elementares, que lhes permitam tomar decisões em matérias para as quais não estão, de formação inicial, habilitados. E, note-se, os advogados também decidem o destino das crianças quando aconselham os seus clientes, ou conduzem os processos judiciais num determinado sentido.

E se, no que respeita à formação dos magistrados judiciais e do Ministério Público, o Centro de Estudos Judiciários vem fazendo um trabalho meritório nesta matéria, o mesmo já não se pode dizer da Ordem dos Advogados. Na verdade, e pesem embora iniciativas de formação isoladas, a Ordem não tem promovido ativamente a especialização e formação multidisciplinar dos advogados de família e crianças. Aliás, o regulamento que prevê a especialização em família e menores não consagra sequer a obrigatoriedade de formação multidisciplinar como um requisito de acesso à especialidade.

Ora, conhecimentos jurídicos não são suficientes quando se trata de decidir sobre a vida de crianças.

É neste contexto que nasce, em Junho deste ano, a AAFC – Associação dos Advogados de Família e das Crianças, pela mão de um grupo de advogados que pretende promover uma nova ética e conduta no âmbito da Justiça da Família e das Crianças, com o propósito de promover uma advocacia amiga das crianças e distante da prática convencional.

A AAFC tem também por missão a dinamização da formação multidisciplinar dos operadores judiciários com intervenção na justiça da família e das crianças. É premente incrementar a oferta formativa multidisciplinar para os operadores judiciários, em especial os advogados, hoje tão escassa. É também esta lacuna que a AAFC visa preencher.

Façamos votos para que sejamos bem sucedidos nesta tão meritória missão.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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