Sem novas medidas, economia só regressaria ao nível pré-covid em 2024

Conselho das Finanças Públicas revê em baixa projecções para o crescimento e antecipa uma défice orçamental mais alto, acima de 7% durante este ano.

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Rui Gaudencio

Se o plano de recuperação da Europa acabasse por não ser aplicado e o Governo não tomasse novas medidas, a economia portuguesa e as suas finanças públicas não voltariam antes de 2024 aos níveis em que se encontravam antes da pandemia, começando logo este ano com uma queda recorde do PIB de 9,3%, algo que dificilmente poderá ser já evitado.

O cenário é traçado esta quinta-feira pelo Conselho das Finanças Públicas (CFP), que reviu em baixa as projecções para a evolução da economia e dos indicadores orçamentais durante este ano, apontando depois para um ritmo de retoma lenta no ano seguinte.

Com habitualmente, as novas projecções da entidade liderada por Nazaré Costa Cabral foram feitas assumindo um cenário de políticas invariáveis, isto é, apenas são levadas em conta as medidas já em vigor. Nestas circunstâncias, aquilo que o CFP agora antecipa é que, desde logo, a economia portuguesa se contraia 9,3% no total deste ano.

Em Junho, a queda esperada era um pouco mais moderada, de 7,5% e o CFP explica este maior pessimismo com “a incorporação de informação para o segundo trimestre, que confirmou uma quebra na actividade económica causada pela pandemia mais acentuada” do que o antecipado em Junho. É destacada em particular a evolução mais negativa das exportações de serviços, onde se inclui as receitas com turismo. Nas contas do CFP, as exportações registarão uma quebra de 22,5% em 2020.

Este resultado económico tão negativo – bem pior do que a diminuição de 6,9% do PIB prevista pelo Governo no OE suplementar – influencia obviamente aquilo que acontece no mercado de trabalho e o CFP aponta agora para que a taxa de desemprego, que foi de 6,5% em 2019, irá chegar aos 10% este ano. Em Junho esperava uma subida para 9%.

E nas finanças públicas, devido sobretudo à consideração de um impacto mais negativo das medidas tomadas para combater a pandemia, o CFP estima agora que o défice orçamental dispare para 7,2% (um pouco mais que os 7% projectados pelo Governo), quando em Junho antecipava um valor de 6,4%.

Retoma moderada

Depois virá a recuperação. Ela inicia-se, diz o CFP, logo a partir do segundo semestre deste ano, mas nos indicadores económicos anuais apenas se nota em 2021.

A expectativa do conselho que avalia as finanças públicas portuguesas é que, sem que sejam tomadas novas medidas, a retoma será feita de forma relativamente lenta, não permitindo que nos diversos indicadores, sejam eles de actividade económica, emprego ou orçamentais, se regresse rapidamente aos níveis anteriores à crise.

No caso do crescimento do PIB, o CFP prevê que seja de 4,8% em 2021, 2,8% em 2022, estabilizando nos dois anos seguintes em torno de 1,7%. É um ritmo que, a verificar-se, apenas permitiria que o valor do PIB voltasse ao nível registado antes da crise em 2024.

No caso do desemprego, a descida iniciar-se-ia também em 2021, para 8,8%, mas em 2024 o indicador ainda estaria em 6,8%, acima dos 6,5% registados em 2019.

No que diz respeito ao défice, a barreira dos 3% seria ainda ligeiramente ultrapassada em 2021 e igualada em 2022, chegando-se a 2024 com um saldo ainda claramente negativo, de 2,4%. E seria na dívida pública que se poderia observar uma herança mais clara da presente crise, com o seu peso no PIB, que em 2019 chegou aos 117,7% a permanecer teimosamente acima da barreira dos 130%.

Todos estes números, é claro, apenas se concretizarão, assume o CFP, se nada for feito de novo em termos de políticas. Não inclui portanto, medidas que venham a ser adoptadas pelo Governo, por exemplo, no OE 2021. E não inclui a esperada passagem à prática do plano de recuperação da Europa e do quadro financeiro plurianual para 2021-2027.

Em relação ao plano de recuperação, o CFP assume que é daqui que pode surgir o efeito positivo “mais importante para o cenário macroeconómico no médio prazo, tanto pelo impacto directo dos recursos financeiros como estímulo à economia portuguesa, como pelo efeito indirecto do plano ao impulsionar as economias dos principais parceiros comerciais portugueses com um reflexo positivo na procura externa”.

No entanto, os responsáveis do CFP fazem questão de alertar que, no balanço entre riscos positivos (como o do plano de recuperação) e os riscos negativos, não é possível ainda ter uma ideia sobre quais é que podem vir a pesar mais.

Em primeiro lugar porque a dimensão dos riscos existentes é ainda desconhecida. Na apresentação do relatório publicado esta quinta-feira, a presidente do CFP assinalou que, em relação à evolução da economia, “o ambiente é ainda de grande incerteza”, não sendo possível ainda saber, entre um potencial benefício do plano de recuperação e uma possível evolução mais negativa da pandemia, “qual será o que tem o peso maior”. 

E em segundo lugar, porque mesmo em relação ao plano de recuperação e ao novo quadro de fundos europeus ainda há muitas incertezas. “A forma como os fundos poderão vir a ser utilizados será decisiva. É verdade que é uma oportunidade histórica para o nosso crescimento sustentável, mas há desafios por resolver, nomeadamente saber em que áreas, sectores e indústrias vamos investir, como é que vamos usar os fundos para que a capacidade produtiva do país não se perca. E há ainda a questão de saber se estes fundos serão bem empregues, evitando gastos desnecessários. Temos um histórico nesta matéria que não é muito positivo”, alertou Nazaré Costa Cabral.

No caso do orçamento, para além do efeito que um crescimento mais rápido ou mais lento possa vir a ter, o CFP assinala ainda a existência de vários riscos negativos, que podem colocar as contas numa situação de ainda maior desequilíbrio. A possibilidade do diferimento do prazo de pagamento de impostos acabar por se transformar num incumprimento, caso as empresas declarem insolvência, a possibilidade de utilização integral dos 3890 milhões de euros previstos no âmbito do Acordo de Capitalização Contingente do Novo Banco, a possibilidade de o impacto do empréstimo à TAP poder vir a ser superior ao previsto e a concretização de pressões orçamentais sobre as componentes mais rígidas da despesa pública, como prestações sociais e despesas com pessoal.

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