Clima “severo” e falta de gestão florestal potenciam incêndio em Proença-a-Nova

“Uma área significativa de regeneração natural de pinheiro-bravo desapareceu”, durante o fogo “vertiginoso” que grassou em Proença-a-Nova. O ministro da Administração Interna fala de “causa dolosa de natureza criminosa”. Um técnico envolvido no teatro das operações diz que o incêndio tomou aquelas proporções devido ao “enquadramento meteorológico muito severo” e à “falta de descontinuidade florestal”. A estimativa de área ardida é de “15 mil hectares”.

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LUSA/PAULO CUNHA

“Uma imensa continuidade” de mancha florestal de pinheiro-bravo “que é mais ou menos típica nestas condições” e “o vento, que não abrandou durante os dois primeiros dias”. Estes dois “factores negativos conjugados” fizeram com que “as janelas de oportunidade que tivessem sido encontradas não tivessem sido aproveitadas” pelos mais de 1100 operacionais no terreno para controlar o incêndio que deflagrou no último domingo em Proença-a-Nova, e que acabou por alastrar aos concelhos de Castelo Branco e Oleiros. Só esta quarta-feira foi dado como dominado.

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“Uma imensa continuidade” de mancha florestal de pinheiro-bravo “que é mais ou menos típica nestas condições” e “o vento, que não abrandou durante os dois primeiros dias”. Estes dois “factores negativos conjugados” fizeram com que “as janelas de oportunidade que tivessem sido encontradas não tivessem sido aproveitadas” pelos mais de 1100 operacionais no terreno para controlar o incêndio que deflagrou no último domingo em Proença-a-Nova, e que acabou por alastrar aos concelhos de Castelo Branco e Oleiros. Só esta quarta-feira foi dado como dominado.

A afirmação é do presidente do Observatório Técnico Independente sobre incêndios, criado pelo Parlamento. Em declarações ao PÚBLICO, Francisco Castro Rego diz que “esta foi a diferença em relação a outros fogos com condições de secura e de combustíveis mais ou menos idênticas e que puderam ser mais bem trabalhados durante a noite”.

Esta “paisagem, com uma enorme continuidade [florestal], faz com que o “ataque directo” seja “reduzidíssimo”, também devido à enorme quantidade de combustível”, frisa o presidente do Observatório. Nestas situações, em caso de fogo, “o ataque directo não é mesmo possível”. O que é necessário é “precaver e retirar as pessoas das habitações e esperar que haja condições” para o combate no terreno.

Ao PÚBLICO, Pedro Nunes, Comandante Operacional do Agrupamento Distrital de Operações de Socorro do Centro Norte da Autoridade Nacional de Protecção Civil, fala de “uma estimativa de 15 mil hectares de área ardida”. A informação “carece, no entanto, de confirmação através da visualização de uma imagem de satélite, usada para o mapeamento dos incêndios de grande dimensão, que nos permita determinar com rigor a área do incêndio”.

Uma imensa riqueza que o nosso país perdeu”

“Sabemos que há uma área significativa de regeneração natural de pinheiro-bravo que, lamentavelmente, desapareceu neste incêndio”, disse ao PÚBLICO João Gonçalves, presidente da Direcção do Centro Pinus, estrutura criada em 1998, que reúne os principais agentes da fileira do pinho.

Recusando falar das causas do fogo, João Gonçalves lamenta, no entanto, o dizimar desta mancha florestal, afirmando que “foi mais uma oportunidade e uma imensa riqueza que o nosso país perdeu, quer do ponto de vista económico e social, quer ambiental, com todas as consequências para a futura qualidade da água e perda de solo”.

“A natureza tinha oferecido uma rearborização gratuita que deveria ter sido acarinhada e gerida, o que teria contribuído para prevenir este incêndio”, sublinha João Gonçalves. Apela agora a que se tomem “medidas urgentes em todos os territórios com regeneração natural de pinheiro-bravo”.

E o Plano de Recuperação Económica desenhado por António Costa e Silva e apresentado pelo Governo “pode dar um contributo decisivo”, diz o presidente do Centro Pinus. Há, pois, que “encaminhar as verbas necessárias, com regras adequadas, aos actores que estão nestes territórios”.

Recorde-se que o volume em crescimento do pinheiro-bravo em Portugal registou um decréscimo “impressionante” de 37% entre 2005 e 2019, com a perda de 27% da área plantada no período de 1995 a 2015 (13.240 hectares por ano, em média). A fileira do pinho em Portugal representava 81% dos postos de trabalho e 88% das empresas das indústrias florestais do país em 2019.

“Causa dolosa de natureza criminosa”

A Polícia Judiciária (PJ) já está a investigar as causas deste incêndio, mas o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, não mostra dúvidas de que este fogo no distrito de Castelo Branco poderá ter tido “uma causa dolosa de natureza criminosa”.

Em declarações aos jornalistas, esta quarta-feira, no posto de comando de Proença-a-Nova, Eduardo Cabrita disse não ignorar as alterações climáticas e as características da floresta na região. Deixou, porém, bem claro que “não são admissíveis comportamentos negligentes que aumentam o risco e provocam incêndios”.

O governante sublinhou ainda que “este incêndio teve condições de desenvolvimento extremamente violentas nas primeiras horas”, levando a que, no seu pico, tenha chegado a mobilizar 1100 operacionais, apoiados por 18 meios aéreos. 

Por sua vez, o presidente da Câmara de Proença-a-Nova, João Lobo, que foi das primeiras pessoas a chegar ao local onde as chamas deflagraram, junto à estrada municipal entre Penafalcão e Cunqueiros, afirmou aos jornalistas: “Foi mão criminosa, de certeza absoluta. No sítio onde foi, não haveria ignição sem mão criminosa”, disse o autarca.

Dos dias do ano com maior severidade”

Com mão criminosa ou não, certo é que, no último domingo, “o enquadramento meteorológico era muito severo. Foi dos dias do ano em que tivemos maior severidade”, disse ao PÚBLICO um técnico que esteve no teatro das operações de combate em Proença-a-Nova, que não quis ser identificado.

“Tivemos uma sucessão de quatro/cinco noites em que os teores de humidade foram muito baixos e chegámos àquele dia com o mínimo teor de humidade da vegetação”, disse aquele operacional. Ora, “como aquela zona estava sob forte severidade, qualquer ignição que houvesse ali – e as causas cabe à PJ averiguar - daria origem rapidamente a um incêndio, porque se reuniam ali todas as condições”, explicou o técnico.

No período compreendido entre 1 de Janeiro e 31 de Agosto de 2020, de acordo com a informação disponibilizada pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) foi registado um total de 7207 incêndios rurais, que resultaram em 38.650 hectares de área ardida, entre povoamentos (17.176 hectares), matos (15.974 hectares) e agricultura (5500 hectares).

Comparando os valores do ano de 2020 com o histórico dos dez anos anteriores, o ICNF assinala que se registaram “menos 48% de incêndios rurais e menos 57% de área ardida relativamente à média anual do período”. O ano de 2020 apresentava, até ao dia 31 de Agosto, o valor mais reduzido em número de incêndios e o quarto valor mais reduzido de área ardida, desde 2010. Com Ana Henriques