A covid-19 pode ter triplicado a taxa de depressão?

Estudo da Escola de Saúde Pública da Universidade de Boston indica que 27,8% dos adultos norte-americanos manifestavam sintomas de depressão em meados de Abril e constata que antes da pandemia este problema afectava 8,5% das pessoas

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A perda de emprego, a morte de um amigo ou família e problemas financeiros são os principais factores que ajudam a fazer a ligação entre a covid-19 e a depressão Paulo Pimenta

A perda de emprego, a morte de um amigo ou familiar e problemas financeiros são os principais factores que ajudam a fazer a ligação entre a covid-19 e a depressão. A associação é quase intuitiva mas nada como números para dar mais corpo a esta dor de alma. Um estudo publicado em Setembro na revista JAMA Network Open revela que 27,8% dos adultos dos EUA apresentavam sintomas de depressão em meados de Abril, em comparação com 8,5% antes da pandemia. O fenómeno promete ser global, como a pandemia. Em Portugal já há alguns sinais do impacto que esta crise está a ter na saúde mental.

Há conclusões que até podem nem ser surpreendentes mas que nem por isso deixam de ser preocupantes. É o caso do estudo publicado agora por investigadores da Escola de Saúde Pública da Universidade de Boston e que confirma que, infelizmente, a história se repete. “Observou-se que, após eventos traumáticos de grande escala anteriores, a depressão na população em geral, no máximo, dobrou”, assinala o principal autor do estudo, citado num comunicado da universidade. Sandro Galea menciona, como meros exemplos, o 11 de Setembro, o surto de ébola e a agitação civil em Hong Kong. Há mais, claro. 

O comunicado destaca, no entanto, que desta vez o impacto será ainda mais evidente alertando, logo no título, que a covid-19 não terá duplicado mas antes triplicado a taxa de depressão. “Inicialmente, ficamos surpreendidos ao ver esses resultados, mas é verdade que outros estudos já realizados sugerem consequências numa escala semelhante para a saúde mental”, afirma o investigador, referindo estudos que “foram conduzidos principalmente na Ásia e focados em populações específicas, como profissionais de saúde e estudantes universitários”. O autor especifica que, num desses trabalhos realizados antes, os investigadores encontraram sintomas de depressão em metade dos profissionais de saúde chineses que trataram de doentes com covid-19.

Porém, a investigação publicada agora é, segundo reclama a equipa de cientistas envolvida, “o primeiro estudo nacionalmente representativo nos EUA a avaliar a mudança na prevalência de depressão antes e durante covid-19”. No trabalho, os investigadores usaram o questionário de saúde do doente, uma ferramenta de auto-avaliação e de rastreio de depressão.

O estudo analisou as respostas de 5065 pessoas entrevistadas no Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição 2017-2018, e de 1441 adultos envolvidos no estudo “Covid-19 Impacto dos factores de stress na saúde mental e bem-estar” (CLIMB), realizado entre Março 31 a 13 de Abril de 2020, “quando 96% da população dos Estados Unidos estava sob orientação para permanecer em casa”.

Foi nesta ultima abordagem que se identificou a perda de emprego, a morte de um amigo ou familiar e problemas financeiros como principais “factores de stress” durante a covid-19 e que foram associados a sintomas de depressão. E o aumento de sintomas reportado vale para todas faixas etárias. Aliás, a maior diferença terá sido detectada entre ricos e pobres, o que também não deverá surpreender ninguém. Mas mais uma vez, eis alguns números: “Depois de ajustar para todos os outros dados demográficos, os investigadores descobriram que, durante a pandemia, alguém com uma poupança inferior a 5000 dólares tinha 50% mais probabilidade de ter sintomas de depressão do que alguém com mais do que isso”.

“Pessoas que já estavam em risco antes da [pandemia] de covid-19, com menos recursos sociais e económicos, eram mais propensas, provavelmente, a relatar depressão, sugerindo que a desigualdade pode aumentar durante este tempo e que as lacunas de saúde podem aumentar”, constata a autora principal do estudo, Catherine Ettman, da Escola de Saúde Pública da Universidade Brown, em Providence. Feito o diagnóstico, o que fazer? “Pode haver medidas que os legisladores podem tomar agora para ajudar a reduzir o impacto dos factores de stress da covid-19 na depressão, como moratória de despejos, seguro de saúde universal não vinculado ao emprego, e apoio para que as pessoas possam voltar ao trabalho com segurança”, responde a investigadora.

Por fim, a equipa conclui com uma nota bem intencionada mas, ao mesmo tempo, pouco animadora, afirmando que esperam que as conclusões do estudo “ajudem aqueles que estão sofrendo de depressão neste período incrivelmente difícil a ver que não estão sozinhos: pelo contrário, um em cada quatro adultos americanos, provavelmente, está a passar pela mesma coisa”.

Apesar dos resultados deste estudo, ainda será cedo para tirar conclusões definitivas sobre a dimensão do impacto da covid-19 na saúde mental da população mundial, sendo certo que terá seguramente um impacto. Especificamente em Portugal, o PÚBLICO noticiou no mês de Agosto que já se registou um aumento no consumo de psicofármacos no primeiro semestre deste ano, com mais 248 mil embalagens de antidepressivos do que no mesmo período de 2019 (um crescimento de 6,5%). “Não saímos exactamente iguais das crises”, confirmou na altura o director do Programa Nacional para a Saúde Mental da Direcção-Geral da Saúde (DGS), Miguel Xavier, que aproveitou também para deixar o aviso: “Se a pandemia leva ao desemprego e o desemprego leva à depressão, o tratamento não se faz com antidepressivos, mas sim com empregos”. 

Quem precisar de apoio pode recorrer ao site criado na página da DGS para esta área - https://saudemental.covid19.min-saude.pt/. Aqui encontra os contactos disponíveis nos centros de saúde de cada região e nos serviços de saúde mental dos hospitais e alguns disponibilizam números de telemóvel.

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