Zoom, racismo, mulheres, espíritos… e Pedro Costa: eis o MOTELX para os tempos que correm

A partir desta segunda-feira e até domingo no São Jorge, sete dias para sustos e reflexões sobre o filme de terror em tempo de pandemia, cortesia do 14.º ano do festival de cinema de terror de Lisboa

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Pode Pedro Costa estar num festival de cinema de terror? Resposta: como pode Pedro Costa não estar num festival de cinema de terror? Afinal, uma das suas referências maiores foi, é e será sempre Jacques Tourneur e o seu chiaroscuro que ergueu séries B despachadas sem orçamento, como A Pantera (1942) e Zombie (1943), a filmes maiores do cinema clássico. E tudo o que Costa filma desde o Quarto de Vanda são fantasmas e fantasmagorias. (Também é verdade que o cinema de Costa mete medo a muita gente, por muitas razões diferentes.) 

Mas não é possível dizer que Pedro Costa não tem lugar no MOTELX, o Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa, cuja 14ª edição arranca esta segunda-feira no São Jorge. Costa é o “homenageado” da secção Quarto Perdido, participando numa conversa sob o genérico Pensar as Trevas (sábado 12, 16h30), acompanhando as exibições de Cavalo Dinheiro e do documentário Ne change rien

A atenção do MOTELX às temáticas e tendências do momento que vivemos leva-o ainda a propor um ciclo de filmes intitulado O Pesadelo Americano, abordando as tensões do racismo (latente ou assumido) nos EUA através do cinema de género: The Intruder de Roger Corman (1962), Ganja & Hess de Bill Nunn (1973), White Dog de Samuel Fuller (1982),Candyman de Bernard Rose (1992), Os Prisioneiros da Cave de Wes Craven (1991), ou o inevitável Foge de Jordan Peele. Aos quais se vem juntar em ante-estreia Antebellum – A Escolhida, de Gerard Bush e Christopher Renz, pesadelo racial com Janelle Monae no papel principal de um filme produzido por Peele.

Há igualmente uma bem-vinda atenção ao cinema de género no feminino – ver-se-á, por exemplo, El Prófugo, da argentina Natalia Meta, Pelican Blood, da alemã Katrin Gebbe ou Darkness, da italiana Emanuela Rossi –, mas destaca-se desde já a apresentação de dois títulos que têm atraído, com inteira justiça, muito interesse: Relic, da australiana Natalie Erika James (quarta 9, 21h00, e domingo 13, 23h45), e Amulet, da actriz inglesa Romola Garai (quinta 10, 18h10). Dois primeiros filmes que se integram na apropriação feminina/feminista do género a que nomes como Jennifer Kent (O Senhor Babadook) ou Anna Biller (A Feiticeira do Amor) têm dado relevo. 

A vantagem vai para o francamente surpreendente Relic, exercício de grande delicadeza e inteligência à volta de uma idosa (magnífica Robyn Nevin) cujo comportamento errático traz a filha e a neta (Emily Mortimer e Bella Heathcote) à casa rural onde vive. James baralha as pistas da “casa assombrada” e da “possessão demoníaca” para tornar o filme numa história de compaixão e sacrifício que transcende, em muito, a gaveta do género.

Amulet tem vários pontos em comum com Relic mas as suas ambições são diferentes, construindo uma alegoria das relações de poder entre sexos através de um ex-militar em busca de redenção, alojado numa casa misteriosa onde a presença do mal parece literalmente escorrer pelas paredes. Amulet acaba por tropeçar nas suas próprias ambições, com um excesso de sisudez e algumas opções narrativas discutíveis (sobretudo na última meia hora), mas é uma primeira obra de verdadeiro talento que não tem medo de arriscar (mesmo que se espatife).

E não podíamos não falar de um “pequeno” filme de terror mais clássico: o britânico Host (quinta 10, meia-noite), produzido para a plataforma de VOD Shudder, que se tem tornado numa pequena sensação. O filme decorre em tempo real numa video-conferência no Zoom durante a actual quarentena, reunindo cinco amigas que decidem fazer uma sessão espírita online. Claro que as coisas correm mal, mas o realizador Rob Savage explora habilmente as características do Zoom para gerar tensão e sustos, sem pretender mais do que um filme de género sólido, sem ambições nem subtextos. Que só dura 55 minutos – o tempo exacto de uma video-conferência gratuita – e por isso não tem de encher chouriços. 

O festival abre oficialmente na noite desta segunda-feira, às 21h, com O 3º Andar – Terror na Rua Malasaña , do espanhol Albert Pintó, e encerra domingo 13 às 21h com O Segredo do Refúgio, de Dave Franco, duas obras que irão estrear logo a seguir nas salas portuguesas. A programação continua a propor as habituais longas documentais (este ano com Leap of Faith: William Friedkin on The Exorcist Scream, Queen! My Nightmare on Elm Street) e a habitual competição de curtas portuguesas de terror (12 filmes a concurso). Sete das longas apresentadas na programação concorrem também ao prémio de Melhor Longa de Terror Europeia.

E como não recomendar a exibição de um pequeno culto que vê finalmente a luz do dia? É Grizzly II: Revenge (sábado 12, 22h30)que foi rodado em 1983 na Hungria com uns imberbes Laura Dern, George Clooney e Martin Sheen e ainda o veterano britânico John Rhys-Davies. Um filme com uma história delirante de enganos e vigarices e más decisões que se prolongaram durante quase 40 anos e que só agora foi terminado pela produtora Suzanne Nagy. O tipo de história, em suma, que praticamente exige ser mostrada no MOTELX.

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Pode Pedro Costa estar num festival de cinema de terror? Resposta: como pode Pedro Costa não estar num festival de cinema de terror? Afinal, uma das suas referências maiores foi, é e será sempre Jacques Tourneur e o seu chiaroscuro que ergueu séries B despachadas sem orçamento, como A Pantera (1942) e Zombie (1943), a filmes maiores do cinema clássico. E tudo o que Costa filma desde o Quarto de Vanda são fantasmas e fantasmagorias. (Também é verdade que o cinema de Costa mete medo a muita gente, por muitas razões diferentes.) 

Mas não é possível dizer que Pedro Costa não tem lugar no MOTELX, o Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa, cuja 14ª edição arranca esta segunda-feira no São Jorge. Costa é o “homenageado” da secção Quarto Perdido, participando numa conversa sob o genérico Pensar as Trevas (sábado 12, 16h30), acompanhando as exibições de Cavalo Dinheiro e do documentário Ne change rien

A atenção do MOTELX às temáticas e tendências do momento que vivemos leva-o ainda a propor um ciclo de filmes intitulado O Pesadelo Americano, abordando as tensões do racismo (latente ou assumido) nos EUA através do cinema de género: The Intruder de Roger Corman (1962), Ganja & Hess de Bill Nunn (1973), White Dog de Samuel Fuller (1982),Candyman de Bernard Rose (1992), Os Prisioneiros da Cave de Wes Craven (1991), ou o inevitável Foge de Jordan Peele. Aos quais se vem juntar em ante-estreia Antebellum – A Escolhida, de Gerard Bush e Christopher Renz, pesadelo racial com Janelle Monae no papel principal de um filme produzido por Peele.

Há igualmente uma bem-vinda atenção ao cinema de género no feminino – ver-se-á, por exemplo, El Prófugo, da argentina Natalia Meta, Pelican Blood, da alemã Katrin Gebbe ou Darkness, da italiana Emanuela Rossi –, mas destaca-se desde já a apresentação de dois títulos que têm atraído, com inteira justiça, muito interesse: Relic, da australiana Natalie Erika James (quarta 9, 21h00, e domingo 13, 23h45), e Amulet, da actriz inglesa Romola Garai (quinta 10, 18h10). Dois primeiros filmes que se integram na apropriação feminina/feminista do género a que nomes como Jennifer Kent (O Senhor Babadook) ou Anna Biller (A Feiticeira do Amor) têm dado relevo. 

A vantagem vai para o francamente surpreendente Relic, exercício de grande delicadeza e inteligência à volta de uma idosa (magnífica Robyn Nevin) cujo comportamento errático traz a filha e a neta (Emily Mortimer e Bella Heathcote) à casa rural onde vive. James baralha as pistas da “casa assombrada” e da “possessão demoníaca” para tornar o filme numa história de compaixão e sacrifício que transcende, em muito, a gaveta do género.

Amulet tem vários pontos em comum com Relic mas as suas ambições são diferentes, construindo uma alegoria das relações de poder entre sexos através de um ex-militar em busca de redenção, alojado numa casa misteriosa onde a presença do mal parece literalmente escorrer pelas paredes. Amulet acaba por tropeçar nas suas próprias ambições, com um excesso de sisudez e algumas opções narrativas discutíveis (sobretudo na última meia hora), mas é uma primeira obra de verdadeiro talento que não tem medo de arriscar (mesmo que se espatife).

E não podíamos não falar de um “pequeno” filme de terror mais clássico: o britânico Host (quinta 10, meia-noite), produzido para a plataforma de VOD Shudder, que se tem tornado numa pequena sensação. O filme decorre em tempo real numa video-conferência no Zoom durante a actual quarentena, reunindo cinco amigas que decidem fazer uma sessão espírita online. Claro que as coisas correm mal, mas o realizador Rob Savage explora habilmente as características do Zoom para gerar tensão e sustos, sem pretender mais do que um filme de género sólido, sem ambições nem subtextos. Que só dura 55 minutos – o tempo exacto de uma video-conferência gratuita – e por isso não tem de encher chouriços. 

O festival abre oficialmente na noite desta segunda-feira, às 21h, com O 3º Andar – Terror na Rua Malasaña , do espanhol Albert Pintó, e encerra domingo 13 às 21h com O Segredo do Refúgio, de Dave Franco, duas obras que irão estrear logo a seguir nas salas portuguesas. A programação continua a propor as habituais longas documentais (este ano com Leap of Faith: William Friedkin on The Exorcist Scream, Queen! My Nightmare on Elm Street) e a habitual competição de curtas portuguesas de terror (12 filmes a concurso). Sete das longas apresentadas na programação concorrem também ao prémio de Melhor Longa de Terror Europeia.

E como não recomendar a exibição de um pequeno culto que vê finalmente a luz do dia? É Grizzly II: Revenge (sábado 12, 22h30)que foi rodado em 1983 na Hungria com uns imberbes Laura Dern, George Clooney e Martin Sheen e ainda o veterano britânico John Rhys-Davies. Um filme com uma história delirante de enganos e vigarices e más decisões que se prolongaram durante quase 40 anos e que só agora foi terminado pela produtora Suzanne Nagy. O tipo de história, em suma, que praticamente exige ser mostrada no MOTELX.