A prospeção e exploração de lítio, o mestre e os discípulos

Queixam-se de uma mão cheia de activistas e instituições municipais terem virado a população contra a exploração. Com certeza não foram capazes de criar o tal estado de opinião recomendado pelas indústrias extrativas nestas ocasiões.

Em entrevista à Lusa, surpreendia-se o professor Alexandre Lima de tamanha oposição à prospeção e exploração de lítio em Portugal sem reconhecer, quanto mais aceitar, o papel e responsabilidade que tem por ela. A boa gente de Covas do Barroso não começou por se opor à mina logo desde o início. Até há pouco tempo não passaria pela cabeça de ninguém questionar a presença de um professor universitário, um cientista, nas suas terras. Queria estudar as rochas, pois que estudasse. Ninguém o ia proibir de o fazer onde quer que fosse, que o saber não ocupa lugar. Só que, enquanto outros concluiriam o seu estudo enaltecendo a importância da sua descoberta para a Ciência, a Geologia e a História, o professor Alexandre Lima concluía salientando o seu potencial económico.

Quando estudou a geologia da área a que chama Barroso-Alvão não se contentou com o conhecimento, a descoberta e os prodígios geológicos que por lá encontrou. Também não se preocupou com a sua preservação como teriam feito outros cientistas e exploradores, porque, na sua perspectiva, melhor do que apreciar o património geológico e natural é apreciar a beleza de complexos mineiros e ainda fazer umas patacas com ele. Consequentemente, foi promover a sua exploração e por todo o mundo falou das “fenomenais” reservas de lítio no Barroso e Alvão. Vem depois dizer que foram os serviços geológicos franceses que em 2010 identificaram Portugal como o país Europeu com as maiores reservas de lítio da Europa — 10 anos depois de ele próprio o ter feito, juntamente com outros ilustres geólogos do mesmo departamento e do Instituto Geológico Mineiro.

Como não podia deixar de ser, o dia veio em que alguém lhe deu ouvidos e, podendo ou não levar a tal exploração a cabo, achou por bem açambarcar a licença antes que mais alguém o fizesse para  assegurar uma posição privilegiada no que diziam que seria o negócio do século: a exploração das reservas de lítio do Barroso. Fez-se e aprovou-se o plano de lavra e o Estudo de Impacto Ambiental sem incidentes de maior. As gentes de Covas do Barroso tinham uma vaga ideia que havia interesse em fazer uma pedreira “lá para os lados do Alto da Misarela”. Os nomes dados aos núcleos da exploração não lhes diziam nada e o nome da mina menos ainda – nomes dados por pessoas de fora que nada tinham a ver com os que conheciam. O presidente da câmara comunicou à junta de freguesia um facto consumado: a atribuição da licença. E quando veio a consulta para o Estudo de Impacto Ambiental ainda houve alguém que em nosso nome escrevesse uma exposição das nossas preocupações. Já lá vão 15 anos e nada mais ouvimos até hoje. Não ouvimos o barulho da retro-escavadora que escavou a rocha no Alto da Misarela nem o camião que uma ou duas vezes por ano a lá ia buscar para manter a licença válida.

Quando veio uma empresa estrangeira que falava em explorar lítio houve quem fizesse perguntas, e as respostas vieram com muitos “ainda não se sabe”. Mas ainda que ninguém tivesse lido os relatórios em língua estrangeira, não havia como esconder a extensão e agressividade do que queriam fazer a poucos metros das nossas casas depois de testemunharmos o que tinham feito durante a prospeção. E de onde menos se esperava veio uma resposta imediata e desconcertante aos nosso protestos e oposição. Vieram os cientistas do departamento de Geologia da FCUP, mestres e discípulos, dizer que o lítio não era tóxico, que estamos na Europa do Século XXI, que se queríamos telemóveis tínhamos que ter minas, que esta era uma oportunidade imperdível para Portugal. A natureza insultuosa, irónica e míope destes argumentos nada fez para nos tranquilizar, abalou toda e qualquer confiança que pudéssemos ter nestes homens de ciências e mudou para todo o sempre o relacionamento que até aqui tinha sido cordial. Pronunciou-se o professor uma vez para dizer que não havia sulfuretos nas rochas de Covas do Barroso, mas escusou-se a dizer que outros minerais para lá há para além do lítio. O mais extraordinário foi o facto de o professor Alexandre Lima vir agora atribuir a oposição à exploração à “falta de cultura da sociedade portuguesa”.

Hoje, não nos surpreende que o professor Alexandre Lima demonstre uma fé inabalável na viabilidade económica da Mina do Barroso. Afinal de contas quem constrói uma carreira, como agora o sabemos, a recitar o mantra “a região do Barroso-Alvão tem a maior reserva de lítio da Europa” não tem como voltar atrás. E ainda para mais quando se estabelecem acordos de cooperação com a empresa que a quer explorar, a Savannah Resources. Perguntámos-mos ainda assim, que sabe o departamento de geologia da viabilidade económica da Mina do Barroso? Ter-se-ia baseado no Scoping Study que a Savannah fez há dois anos? Aquele que usava valores inflacionados do preço do lítio? O mesmo que foi usado no estudo da Universidade do Minho e que foi pago pela Savannah? Porque demora tanto a sair o estudo de viabilidade definitivo? Por outro lado, é muito fácil assegurar a viabilidade de uma mina quando a dimensão e impactes não são obstáculos e não são contrapostos ao valor do metal explorado. Por isso o tamanho da área de concessão já aumentou várias vezes de 120 hectares para 682 e quem sabe onde e quando parará de aumentar.

Lamentavelmente, quando deveriam indignar-se e expor os embustes da Lusorecursos e refutar as falaciosa reivindicação do governo de que as companhias que quisessem explorar lítio português teriam que construir uma refinaria, sabendo que nem as reservas a justificavam e nem havia provas dadas de que os diversos minérios em que estava presente em Portugal pudessem ser refinados, calaram-se. O mestre e o discípulo.

Queixam-se de uma mão cheia de activistas e instituições municipais terem virado a população contra a exploração. Com certeza não foram capazes de criar o tal estado de opinião recomendado pelas indústrias extrativas nestas ocasiões. É que no interior de Portugal as coisas já não são o que eram. Muita coisa muda em 20 anos. Em Covas do Barroso já nem o padre, nem o professor são os mesmos, e o presidente da câmara e da junta foram eleitos com um mandato para respeitarem a vontade de quem os elegeu.

Poderá ser que na sociedade em que vivem o Professor e os seus discípulos não se saiba de onde vem a roupa que vestem, a água e o leite que bebem, nem a comida que comem. Que o conhecimento que têm do mundo rural se limite ao contacto com as rochas e com um ou outro pastor, ou aos destinos de férias ao lado de pedreiras e minas. Mas no interior sabe-se bem de onde vêm todas essas coisas e que tudo o que vem do solo, da água e do ar é demasiado precioso para se sacrificar para extrair outras coisas de que não haja necessidade absoluta. Quando todos podemos ver que o rei a quem presta serviços vai nu, não venha acusar quem tem coragem de o dizer de difundir “propaganda fundamentalista”.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção