Comissão Europeia acrescenta o lítio à lista de matérias-primas críticas

Bruxelas vai avançar para uma Aliança Europeia de Matérias-Primas que visa diminuir a dependência da China para o fornecimento. Grupos cívicos acusam Bruxelas e Governo de trabalharem de costas voltadas para a população. Comissário diz que diálogo tem de ser feito

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A mobilidade eléctrica está muito dependente do lítio Nelson Garrido

A Comissão Europeia acrescentou o lítio à sua lista de matérias-primas críticas, anunciou em comunicado o vice-presidente da Comissão europeia, Maroš Šefčovič. O lítio é um elemento fundamental à produção de baterias para armazenamento de energia e o objectivo da Comissão é garantir que a Europa conseguirá garantir o seu abastecimento para apoiar uma recuperação económica com base na chamada economia verde.

E depois de já ter criado uma Aliança Europeia para as Baterias, a Comissão Europeia vai agora fomentar uma Aliança Europeia de Matérias-Primas – que deve avançar nas próximas semanas – para garantir que a Europa consegue diminuir, ou mesmo eliminar, a dependência de geografias terceiras, especialmente da China, no fornecimento destas matérias-primas, essenciais à produção industrial e ao desenvolvimento económico.  

“Não podemos permitir a substituição da dependência actual de combustíveis fósseis pela dependência de matérias-primas críticas. Isso foi ampliado pelas interrupções do coronavírus nas nossas cadeias de valor estratégicas”, escreve Šefčovič, num comunicado divulgado pela Comissão.

O comissário defende que o aprovisionamento seguro e sustentável de matérias-primas “constitui um pré-requisito para uma economia resiliente”. “Só para as baterias dos automóveis eléctricos e para o armazenamento energético, a Europa necessitará, por exemplo, de 18 vezes mais lítio até 2030 e de até 60 vezes mais até 2050”, argumenta o Comissário.

A constituição da lista de matérias-primas críticas, que foi elaborada pela primeira vez em 2011, tem sido dinâmica ao longo dos anos. Em 2011 tinha 14 elementos, em 2014 passou para 20, em 2017 chegou aos 27. Com esta nova alteração chega aos 30 materiais, com a inclusão, este ano, do lítio, da bauxite, do titânio e do estrôncio, e com a retirada do hélio. “O hélio continua a ser uma preocupação no que diz respeito à concentração da oferta, mas foi retirado da lista crítica de 2020 devido ao declínio na sua importância económica”, lê-se nos documentos oficiais da Comissão que sustentam esta tomada de decisão.

Estas listas são importantes porque estão na base dos planos de acção destinados a fomentar o potenciar de extracção e produção destas materiais. O objectivo da Comissão é agora trabalhar em conjunto com os Estados-membros “para identificar os projectos de extracção e de transformação na UE que possam estar operacionais até 2025”.

“As regiões carboníferas e outras regiões em transição merecerão uma atenção especial, sobretudo as competências e os conhecimentos técnicos especializados relevantes para a exploração mineira, a extracção e a transformação das matérias-primas”, promete a Comissão. Ao mesmo tempo, o programa Horizonte Europa irá apoiar a investigação e a inovação, “especialmente nos domínios das novas tecnologias de extracção e transformação, da substituição e da reciclagem”.

Movimentos preocupados

Esta notícia foi recebida com muita preocupação pelos movimentos cívicos que se opõe ao avanço dos projectos de lítio em Portugal. Nik Volker , fundador da MiningWatch, uma rede independente de monitorização, “criada para apoiar a sociedade civil e comunidades locais confrontadas com projectos de mineração planeados em Portugal”, como se apresenta, disse ao PÚBLICO que os grupos cívicos portugueses “estão profundamente preocupados com a forma como Lisboa e Bruxelas estão a tentar implementar a sua política extractiva em várias regiões do Norte e Centro, todas elas muito habitadas para os padrões da indústria extractiva, e a fornecer uma grande parte dos recursos hídricos do país”.

A principal preocupação, explica, é o facto de Lisboa e Bruxelas não estarem a estabelecer qualquer comunicação sobre questões ambientais e conflitos de uso do solo com o público interessado ou com as ONG ambientais em Portugal.

“No caso concreto do Barroso, as iniciativas europeias carecem de coerência, uma vez que os incentivos já estão a financiar projectos florestais de longo prazo nas encostas destinadas a acolher minas a céu aberto e vastas áreas para o depósito de rejeitos. Este desenvolvimento florestal é o que a administração dos baldios, como proprietária da área mineira designada, considera o seu principal objectivo de desenvolvimento sustentável para o futuro mais próximo”, terminou.

Durante a conferencia de imprensa em que apresentou o novo plano de acção para as matérias-primas essenciais, o Comissário Maroš Šefčovič foi questionado pelos jornalistas acerca da contestação que existe por parte dos movimentos cívicos e pelas comunidades locais nomeadamente em Portugal.

Maroš Šefčovič disse ter “conhecimento” de tal contestação, não só no país como noutros europeus. “Temos, obviamente, conhecimento destes desafios e garanto que estamos em condições de negociar com os governos nacionais, mas também com as comunidades locais, porque é preciso assegurar a essas comunidades que esses projectos não só são da maior importância, como também beneficiarão a região e o país”, referiu.

Maroš Šefčovič observou que “existe um forte panorama tecnológico em Portugal”, pelo que “várias ‘startups’ iriam beneficiar bastante se um ‘hub’ moderno de tecnologia estivesse sediado” no país, aludindo assim aos planos do Governo português para criar um ‘cluster’ do lítio e da indústria das baterias no norte.

“Mas claro que esta é uma decisão que tem de ser tomada em conjunto com as comunidades locais e os governos nacionais e esperamos ser capazes de promover o diálogo e de facultar o apoio necessário no que toca ao financiamento, nomeadamente através do Banco Europeu de Investimento”, acrescentou o vice-presidente do executivo comunitário.

Numa reacção enviada a pedido do PÚBLICO, o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes afirma que “os actores privilegiados de representação das comunidades são as autarquias com quem sempre temos dialogado”. E recorda que "a proposta de lei das minas acrescenta novas formas de envolvimento das comunidades na decisão”. A proposta do governo que esteve em discussão pública atribuiu poder vinculativo às autarquias nas decisões de viabilizar a actividade de prospecção e pesquisa nos seus concelhos. com Lusa

Notícia actualizada às 14h50 com reacção do Ministro do Ambiente às recomendações de Bruxelas

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