Aprender com a dor dos lares

Se não aprendemos com o que se tem passado nos lares, de onde provêm quase 40% das vítimas mortais, então não aprendemos nada.

Ao fim de três horas de reunião, António Costa e Miguel Guimarães apareceram juntos a jurar que todos os “mal-entendidos” entre Governo e médicos estão esclarecidos e a dar por findo um episódio lamentável. É muito bom que assim tenha sido, porque no meio de pandemia não nos podemos dar ao luxo de ter profissionais de saúde e executivo de costas voltadas, por muito que situações de tensão sejam naturais e por muito que haja razões de parte a parte. Um deles poderia ganhar o braço-de-ferro, mas no final eram os portugueses que perdiam.

Mas resolver não pode ser esquecer. Como ontem salientava Rui Rio, “temos de exigir do Governo que tudo o que aprendemos, ao longo destes meses, possa efectivamente ser colocado em prática para que em Novembro possamos combater a pandemia com uma eficácia muito maior”. E se não aprendemos com o que se tem passado nos lares, de onde provêm quase 40% das vítimas mortais, então não aprendemos nada.

E teremos aprendido pouco se, perante o expor das condições miseráveis de muitos lares, o anúncio da semana passada de 110 milhões de euros para o sector social e a contratação de 15 mil trabalhadores não passarem com urgência à fase de concretização. Como continuaremos a mostrar escasso poder de aprendizagem se não assimilarmos rapidamente que, durante uma epidemia, os lares não podem continuar a ser tratados como estruturas residenciais, mas como a primeira linha dos cuidados de saúde, exigindo uma melhor articulação entre os ministérios da Saúde e da Segurança Social.

Mas se médicos e autoridades de Saúde se voltarem a envolver em guerras de competências sobre quem deve ou não intervir em situações de urgência como a de Reguengos, então não queremos mesmo aprender.

O facto de sermos um país pobre, com recursos escassos, serve para justificar muita coisa, mas um país que trata os seus mais frágeis como tratou em Reguengos de Monsaraz e, infelizmente, em muitos outros lares, sem se sobressaltar, antes preferindo perder-se em questiúnculas políticas e corporativas, não é só pobre, é miserável. É moralmente miserável. Pois dói, custa muito ver, em vez de virar a cara como fizemos tantas vezes, a situação a que assistência aos mais velhos chegou.

Mas se não olharmos agora, não aprendemos, e, se não aprendermos, não mudamos e um dia destes seremos nós a estiolar numa cama de um lar bafiento. Temos de ser melhores do que isto.

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