Sete bebés morrem numa noite em hospital do Zimbabwe

As maternidades estavam sobrelotadas e os enfermeiros em greve contra os baixos salários e corrupção no sector da saúde. Médico disse à BBC que casos destes se repetem de “dia para dia”.

Foto
Emmerson Mnangagwa, Presidente do Zimbabwe Reuters/DENIS BALIBOUSE

Sete bebés morreram durante o parto na noite de segunda-feira no Hospital Central de Harare, no Zimbabwe, por falta de resposta médica em alas de maternidade sobrelotadas. Os enfermeiros estão em greve nacional contra a falta de equipamento de protecção para a covid-19, a corrupção no sector da saúde, a falta de profissionais de saúde e os baixos salários que recebem num país em profunda crise económica. 

As mortes dos sete bebés foram reveladas pelo médico Peter Magombeyi no Twitter como exemplo de como os serviços de saúde estão sem capacidade de resposta. “Estão a roubar-nos o nosso futuro, incluindo aos nossos bebés por nascer. Por favor, parem de pilhar”, escreveu o médico, referindo-se à corrupção no país. 

“Houve uma intervenção muito, muito tardia”, disse à BBC um dos dois médicos que confirmou a morte dos bebés, falando sob a condição de anonimato. “Duas das mães tiveram rupturas dos úteros e precisaram de operação imediata. As outras operações foram feitas por dificuldades no trabalho de parto, mas não foram feitas a tempo, de modo que os bebés morreram, presos nas pélvis das suas mães”. 

Uma situação que, garantiu um segundo médico à BBC, “não é um incidente isolado”. “Isto repete-se de dia para dia e tudo o que podemos fazer é vê-los morrer. É tortura para as famílias e para os jovens médicos”, disse o médico. 

Para a Sociedade de Obstetras e Ginecologistas do Zimbabwe, a situação nos hospitais é “preocupante” e “para além de terrível”. “As nossas mulheres estão a sofrer e acreditamos que todos os actores, o Governo, os médicos, a sociedade civil e os indivíduos, devem agir para salvar as mães e bebés sem voz”, lê-se no comunicado da organização, citado pela BBC. 

O Zimbabwe vive a pior crise económica em mais de uma década e os salários dos profissionais de saúde têm-se evaporado a olhos vistos, dado que a inflação se aproxima dos 1000%. Muitos deixaram de ter como se sustentar, ao mesmo tempo que as condições laborais se degradam profundamente. Faltam medicamentos e meios para transfusões de sangue nos hospitais, equipamento de protecção individual contra a covid-19 e profissionais suficientes, com os existentes a entrarem em esgotamento. 

O descontentamento era por isso palpável, mas atingiu um ponto de ruptura com o mais recente escândalo de corrupção no seio do Governo do Presidente Emmerson Mnangagwa. No final de Junho, o ministro da Saúde, Obadiah Moyo, foi detido pela polícia por suposta corrupção na compra de testes para a covid-19 e equipamento de protecção individual. Assinou contratos de milhões de dólares com a consultora Drax International sabendo que não era a produtora, mas uma simples intermediária. 

Os enfermeiros entraram em greve, depois de muitas queixas e apelos ao executivo, e os serviços mínimos não foram suficientes para dar resposta aos pacientes, como aconteceu com os sete bebés. Além disso, as clínicas privadas em Harare encerraram, por receio da covid-19, e sobrelotaram os hospitais, que já se confrontaram com a pandemia. 

O Zimbabwe tem até esta quarta-feira 2817 casos confirmados de covid-19 e 40 mortes, de acordo com a contagem da Universidade Johns Hopkins. O número baixo de casos, comparando com o resto do mundo, não deverá representar a realidade no terreno, uma vez que as autoridades do país não têm os meios necessários, como testes, para saber a verdadeira dimensão da propagação.

Sugerir correcção