Covid-19 e Direitos Humanos: sem números mas com histórias

Num mundo de imagens gastas e títulos sensacionalistas, que a empatia por pessoas reais nos acorde a consciência e nos alente a vontade de reagir assim que a próxima oportunidade de participação surgir.

Não é surpreendente o impacto da covid-19 nos direitos humanos um pouco por todo o mundo. Há inclusive muitos artigos, uns bons, outros maus, com muitos números, imagens e conteúdo sobre a agravada crise humanitária global em que vivemos. Hoje convido-vos a uma experiência real e crua. Imaginem-se sentados/as com quatro mulheres de 25 anos que vão partilhar como é viver no pós-covid em diferentes cantos do mundo. Apresento-vos a Emma, dos Estados Unidos da América, a Gisela, do Brasil, a Sabina, do Nepal, e a Tadiwa, do Zimbabwe.

O mundo assistiu à continuação da luta dos Estados Unidos para controlar a nova pandemia da covid-19. Na semana passada, os EUA ultrapassaram 100.000 mortes – uma visão sombria na primeira página do NY Times. Esta pandemia trouxe muitos problemas que a América enfrentou durante muito tempo sob uma lupa para todo o mundo ver. As minorias estão a sofrer e a morrer de forma desproporcionada. A nossa liderança continua a ir contra a informação baseada em provas e induz o público, facilmente em erro. A extrema direita está a causar uma emergência de saúde pública própria ao pressionar para restrições ao aborto em muitos Estados. Não estamos a conseguir proteger as pessoas que trabalham na linha da frente.Emma, Estados Unidos da América

"A pandemia trouxe à luz algumas questões de direitos humanos, bem como o aumento das desigualdades, e é utilizada como cortina de fumo para o governo atacar os nossos direitos. Desde não conseguir conter o vírus para apresentar leis que permitem a destruição da Floresta Amazônica, o Brasil está a passar por uma fase muito difícil. O nosso governo ignora a ciência, o nosso povo é deixado à sua mercê e, como se isso não bastasse, o Estado entra nas casas dos pobres para matar.” Gisela, Brasil

“Os direitos humanos estão definitivamente a mudar no Nepal, no meio da pandemia. Muitos trabalhadores migrantes clamam por ajuda, pois perderam os seus empregos e estão em risco em países estrangeiros. Estamos a ter milhares de trabalhadores migrantes da Índia a atravessar a fronteira do Nepal. Estes trabalhadores são forçados a viver em instalações de quarentena abaixo das normas, pondo novamente as suas vidas em risco com a covid-19 e muitas outras doenças transmissíveis. Com as crianças nos braços, os homens vêem negado o acesso das mulheres aos seus próprios países.” Sabina, Nepal

“Não estávamos e ainda não estamos preparados para lidar com os efeitos da covid-19. O Zimbabué está a passar por uma mudança de pele, passando de conservadores a liberais. Mudança de como fazer trabalho, negócios e sobrevivência. Mudança do físico para o virtual, e adaptação ao dia-a-dia em casa. As mulheres estão a carregar o dobro do fardo dos cuidados domiciliários e isto está a colocar-lhes um fardo de saúde mental. Os direitos humanos tornaram-se a segunda prioridade em relação à segurança. As questões do maltrato das pessoas e dos maus tratamentos de doenças são constantemente debatidas e levantadas. A brutalidade policial aumentou para com as mulheres e meninas que procuram água e lenha para sobreviver. A concessão de direitos básicos como o acesso a água limpa, segura e portátil está a ser desrespeitada.” Tadiwa, Zimbabwe

Ao longo das citações torna-se claro que a mais recente ameaça à saúde pública global resultou no agravamento de desigualdades sociais e ameaças a direitos humanos: minorias a morrer de forma desproporcionada, aumento de desigualdades e ambientes ainda mais hostis para populações mais frágeis. Não procuro com esta partilha uma mera solidariedade ou generosidade quase que “banal”, mas sim uma percepção verdadeira com vozes reais de pessoas em concreto – mulheres jovens a quem, nos últimos tempos, todas as autoridades do mundo dizem que podem decidir as suas próprias vidas. Que vidas? Urge a transformação objetiva da sua realidade e uma reação participativa de todo o mundo.

Deixo-vos a partilha, sem números mas com histórias. Num mundo de imagens gastas e títulos sensacionalistas, que a empatia por pessoas reais nos acorde a consciência e nos alente a vontade de reagir assim que a próxima oportunidade de participação surgir.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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